REVISTA ELETRÔNICA - Artigos/Críticas -

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200 ANOS DE NASCIMENTO DE GIUSEPPE VERDI




SOBRE GIUSEPPE VERDI
                                                                 Por Flavio Caldonazzo de Castro






          Qualquer pesquisa na internet pode informar muito sobre Giuseppe Verdi e isto é acessível a todos. Nada que eu pudesse acrescentar poderia ser melhor que as inúmeras fontes disponíveis hoje em dia. Por isso resolvi que para esta comemoração de 200 anos de nascimento do músico, eu devia falar um pouco das minhas impressões pessoais sobre este grande compositor de óperas.

          Conheci Verdi, ali pelo ano de 1986, 87, não posso precisar muito bem, mas o que me lembro é que eu fiz o que a maioria das pessoas que já têm algum conhecimento musical e quando acostumados à Beethoven, Brahms, por exemplo, fazem: eu o desprezei de cara. Não teve muita importância para ele, pois que já estava morto há mais de um século e meio. Mas o que fez com que eu fizesse este pré-conceito? A resposta é simples: eu fiz o que quase todos os novatos nos estudos musicais fazem, eu generalizei e comparei compositores de forma indevida. Como em qualquer área das artes ou do conhecimento em geral, as coisas devem ser separadas em categorias antes de serem avaliadas. Um grande escritor com Dostoievski, profundo conhecedor da psicologia humana, mestre entre mestres na arte da literatura, talvez não pudesse escrever, se vivesse hoje, uma boa telenovela. Giuseppe Verdi foi um mestre na música de ópera, na música de entretenimento, jamais poderia ser um Beethoven, ou um Gustav Mahler. Mas estes também nunca poderiam fazer o que o compositor italiano fazia. Está aí Fidélio para nos demonstrar que o gênio grandioso do mestre de Bonn que compôs obras magníficas e irretocáveis, não tinha mão para a ópera, e se hoje ainda insistimos em nos lembrar de Fidélio, é mais pelas suas perfeitas Aberturas, do que pelo valor operístico daquela obra. Beethoven com seu temperamento orgulhoso (e pessoalmente dou-lhe razão por ter sido assim), talvez não admitisse que Fidélio, como ópera, deixava muito a desejar, e aqui passamos a outra faceta de Giuseppe que logo após eu superar minha ignorância, pude apreciar com muita admiração. Verdi, sempre se criticou e reconheceu o que ele podia ou não realizar. Ao ver uma partitura de Richard Wagner, chegou a comentar algo como: "não posso imaginar como ele consegue fazer algo assim, ele é louco!" (não me lembro das palavras exatas), mas não era em tom de crítica e sim de admiração por reconhecer em outro compositor de óperas, um gênio muito diferente do seu, embora tenha criticado sua música em alguns momentos. Não quero me estender muito, pois sou um pouco suspeito quando escrevo ou falo de Verdi, pois posso ficar por muito tempo relembrando extraordinárias coisas em sua personalidade e em suas atitudes, muitas das quais nada têm a ver com música, que me fazem admirá-lo como um filósofo. Devemos também ter sempre em mente que Giuseppe Verdi, embora tenha escrito trechos geniais em determinadas obras, nunca foi um compositor que tenha tido a facilidade que tinha Mozart, por exemplo. Verdi foi um aprendiz de si mesmo, um aprendiz de suas reflexões sobre suas próprias obras, de seus erros, de seus fracassos, de sua orquestração pobre dos primeiros trabalhos, tudo coisas que ele mesmo ao longo dos anos admitiu, sem pesar, nem tristeza, mas com o realismo de alguém que analisa a obra distanciada do artista. Através disso ele conquistou a genialidade que muitos ganham de presente (dos deuses... ou de onde quer que venham estas facilidades), a cada novo trabalho Verdi progredia. Como viveu muito (1813-1901), a maioria de seus primeiros críticos não viveram para ver esta transformação. Não poucos o criticaram severamente, não sem razão, pois estavam certos naquela época, mas não puderam conhecer o seu Réquiem e suas ultimas óperas: Aída, Othelo e Faustaff. Obras de orquestração irretocável, de fineza e sensibilidade cuidadosa, e que revelam o denso envolvimento do compositor com a obra que musicou. Para não me alongar mais, convido a todos a conhecer mais sobre este compositor, mas sugiro que façam isso tentando investigar paralelamente o homem e a música. 


F.C C


Para complementar, vou transcrever algumas palavras do próprio Verdi, retiradas de fragmentos de cartas que fazem parte, em minha opinião, do melhor livro (com tradução para o português) sobre Verdi: Verdi - vida e ópera, de Charles Osborne:


"(...) insisto na brevidade, porque é isso que o público quer" 

"(...) ‘I Lombardi’ foi um grande fiasco (...) esta é a pura verdade, que lhe relato nem com prazer, nem com tristeza" 
"(...) eu também vi essas fraquezas antes da ópera ser produzida, e você não imagina quanto refleti sobre elas. Mas as falhas estão profundamente enraizadas e qualquer retoque só tornaria as coisas piores (...)" [sobre a ópera Alzira] 
“(...) o que é bom neste lugar é que ninguém toca música, nem fala a respeito. Foi uma verdadeira inspiração não ter trazido um cravo para cá. Não me sinto mais eu mesmo; não consigo acreditar que seja capaz de escrever música, de compor peças, boas ou más, e não sei se um dia poderei voltar ao trabalho. Como são vazias em comparação, as palavras “fama”, “glória”, “talento” (...)” [por ocasião de um afastamento para tratamento de águas em uma estância]
“(...) devo musicar com perfeita confiança qualquer tema que me comova, mesmo que seja condenado por todos os outros compositores como inadequado para a música (...)”
“(...) Traviata na noite passada – um fiasco. Minha culpa, ou dos cantores? O tempo dirá (...)”
“(...) Adoro Fausto, mas não gostaria de transformá-lo em ópera. Estudei-o mil vezes, mas não acho que o personagem seja musical, isto é, musical do modo como penso em música (...)”
“(...) está surpreso com a falta de decoro do público? Eu não (...) aos 25 anos eu ainda tinha ilusões (...) esta mesma platéia tratou mal a ópera de um jovem pobre e doente (...) com o coração partido por uma terrível infelicidade. Todos sabiam disso, o que não os fez se comportar com cortesia. Desde aquela ocasião, nunca mais vi ‘un giorno di regno’, e não tenho dúvidas de que é uma ópera horrível (...) mas quantas outras nada melhores foram toleradas e até aplaudidas. Oh, se ao menos o público naquela época tivesse, não aplaudido, mas pelo menos tolerado minha ópera em silêncio, eu não seria capaz de encontrar palavras suficientes para agradecer. Se agora encaram com suas boas graças aquelas minhas óperas que fizeram a volta ao mundo, então a questão está resolvida. Não os condeno: que sejam severos. Aceito suas vais com a condição de não ter que lhes pedir seus aplausos (...) somos forçados a vender nossos trabalhos, nossos pensamentos e nossos sonhos em troca de ouro. Por três liras o público compra o direito de vaiar ou aplaudir. Nosso destino é a resignação, e isso é tudo! (...) que coisa triste é o teatro!
“(...) Um grave infortúnio se abateu sobre nós e nos fez sofrer terrivelmente. Loulou, pobre Loulou, morreu! Pobre criatura! Amigo verdadeiro, o companheiro fiel e inseparável de quase seis anos de vida! Tão afeiçoado, tão bonito! Pobre Loulou!(...) [sobre a morte do cãozinho de estimação]
“(...) Quando li no jornal de ontem, fiquei realmente horrorizado. Não vamos discutir isso. Um grande indivíduo desapareceu! Um nome que deixa uma poderosa marca na história da arte” [sobre a morte de Richard Wagner]

“(...) Recebi o diploma nomeando-me Comendador da Coroa da Itália, Esta ordem foi criada para homenagear homens que prestaram algum serviço à Itália, no exército ou na literatura, nas ciências e na arte. Apesar de, conforme o senhor mesmo disse e acredita a música não ser o seu campo, uma carta endereçada por sua Excelência a Rossini expressou a opinião de que não se escreveu nenhuma ópera na Itália nos últimos 40 anos. Por que então esta condecoração me é enviada? Certamente deve ter havido algum engano de endereço. Estou devolvendo-a.” [Carta ao Ministro da Instrução Pública]

“(...) digo francamente que minha música, seja bonita ou feia, não é nunca escrita no vácuo, e sempre tento dar-lhe caráter”.
“(...) quero que meu funeral seja extremamente simples e que ocorra ou ao nascer do dia, ou na hora da Ave Maria, sem música, nem canções (grifo meu). Não desejo que publiquem os convencionais anúncios fúnebres (...)”














Aluno do Conservatório faz sucesso no UNIS
Por Angela Ignez Marcellini Massa


Li há alguns dias, uma notícia no site do UNIS; um de nossos alunos criara um projeto e trabalhava nele, com sucesso.
Fui averiguar e descobri que ele montara um coral com presidiários, cantava em missas e escolas, a cada apresentação necessitava de permissão do Juiz e, nessas ocasiões, todo um procedimento tinha que ser observado- segurança, armas, algemas, policiais e o Elias, com muito carinho, oportunizando o reencontro de excluídos com a própria sociedade a quem eles fizeram mal.
Pensei na validade do projeto, amadureci a idéia, lancei a discussão na sala de aula, no Conservatório, 5ª feira, entre os colegas do Elias.
Perdemos uma aula? Acho que não. Olhos estavam fixos nele enquanto contava do seu trabalho; cabeças muito jovens descobriam (pude ler isso) que podiam fazer, também, algo assim.
Toda a conseqüência - ganhar ternos de advogados para não cantar com roupas do presídio, serem muito afinados ou não, o “conceito” que o Elias ganharia na Faculdade que faz, nada, era comparável ao entusiasmo com que nosso aluno falava do projeto, da alegria que vive, das “falas” que recebe como “pagamento”, dos presidiários.
Eles, nódoas na sociedade, fizeram mal e devem pagar por isso. Podem praticar, novamente, tais crimes se forem soltos? Não discuto isso - todos podemos praticar crimes se nos apresentarem situações inusitadas.
Entretanto, durante o tempo de suas “penas”, quem sabe se vendo a dedicação do Elias, a emoção de quem os ouve, quem sabe seus corações podem ser tocados, quem sabe a música pode fazer mais esse milagre? 





IV Semana de Educação Musical da Unesp e VIII Encontro Regional Sudeste da ABEM
                                                                    Por Marco Antonio Rosestolato

“A beleza é uma coisa curiosa. Quando você é capaz de apreciar a beleza, muita coisa feia é eliminada”. Essas foram sábias palavras da professora Enny Parejo. E foi com a mesma atuação revestida de profundidade, leveza e sabedoria que aconteceram os outros encontros em São Paulo, de 17 a 21 de setembro, na IV Semana de Educação Musical da Unesp e VIII Encontro Regional Sudeste da ABEM, com o tema “Educação Musical e contemporaneidade: invenção, tecnologia e pesquisa”. O evento contou com uma grande equipe organizadora, destacando-se a Drª Margarete Arroyo e a Drª Marisa Fonterrada, e ocorreu através de conferências, mesas-redondas, sessões de comunicações orais, minicursos, apresentações musicais, lançamentos de livros e audiovisuais, exposição de materiais e uma plenária que refletiu acerca dos resultados do evento. E contou com a presença de educadores musicais e pesquisadores nacionais e estrangeiros destilando não o conhecimento empertigado e cheirando a miragem, mas esbanjando despojadamente a humildade de mãos dadas com o conhecimento.

É interessante observar que, em meio à chuva ácida dos currículos impostos, às leis pretensiosas e ao pouco caso das secretarias de educação e superintendências, em um tempo de desvalorização humana, multiculturalidade e cartesianismo, em meio a uma modernidade líquida em que se liquefazem os valores, se banaliza o pensar e o professor se transforma em objeto, apesar disso e muito mais, alguns educadores, estudantes e pesquisadores se reúnem para buscar construir e compartilhar o sentido da Educação Musical e a importância da Música na educação do século XXI, pessoas que acreditam no poder transformador da Arte. Arte não somente como cultura ou evento, mas como Educação.

Na conferência “Música na Escola nos Estados da região Sudeste”, houve a apresentação da situação da música nos Estados dessa região. Minas Gerais, representado pela Drª Sonia Tereza Ribeiro (UFU), conta com a particularidade de seus 12 conservatórios, mas isso não elimina os problemas pelos quais o Estado passa para incluir a música nas escolas, como a falta de professores. Minas fez o comunicado às escolas sobre a música, mas sem oferecer diretrizes de como proceder. Em Uberlândia, 58 das 67 escolas, apenas 17 trabalham música, em Alfenas 86% das escolas estaduais não oferecem música, em Iapu, no Vale do Rio Doce, e outras cidades, a música ainda não está sendo oferecida. Foi citado no Encontro que a Superintendência de Varginha falou de um convênio do Estado com o Governo Federal sobre a criação de novos conservatórios. Mas até agora, ao indagar a nossa superintendente de Ensino, não obtive um retorno à veracidade dessa informação.

Pelo fato de não termos a mesma escola europeia em termos de capital cultural e, ao contrário, para o nosso desprazer, sermos um país que se formou muito antes pelas mídias do que pela própria escola, a Drª Maria da Graça Jacintho Setton (FE – USP), apresentando alguns aspectos relativos ao processo de transmissão difusa de disposições de cultura e se espelhando na teoria disposicionalista empreendida por Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, enfatizou a necessidade de se fazer acomodações ou mediações teóricas entre esses autores e a realidade brasileira.

Em uma mesa redonda sobre Educação musical e tecnologias, presidida pelo Dr. José Manuel Moran (Universidade de Anhanguera – Uniderp) e o Dr. Daniel Marcondes Gohn (UFSCar), foram abordadas novas metodologias como o “flipped learning” – aulas invertidas – trabalhando sobre aquilo que os alunos aprenderem, criando um ambiente virtual e levando-os a ler, pesquisar e buscar. Eles trataram do professor contextualizador que, através de discussão e aprofundamento, fazem a interligação constante entre ambientes físicos e digitais formando uma sala de aula ampliada. Explicitaram que a tecnologia é um caminho sem volta, mas ficou bastante claro que nós não podemos nos esquecer de que a educação é um processo humano mediado pela tecnologia. Compete a nós fazer a ponte entre o humano e o tecnológico.

“Só existe música quando existe a intenção de escutar”. No curso ministrado pelo educador, musicólogo e compositor Carlos Kater, foram abordadas algumas estratégias de sensibilização da escuta e da percepção sonoro-musical. Foi definida como meta importante a construção da escuta. Foi esclarecida a distinção entre o professor de música e o educador musical. Sendo o professor de música responsável pelo aprendizado do canto, de um instrumento, da história, das condições sociais etc.; e o educador musical, além de também ser responsável por todo o conteúdo da música, não pode perder o foco da pessoa humana, desenvolvendo a sensibilidade com a música pela música. O educador musical sempre coloca um desafio e o aprendizado se realizada sempre em uma tensão cognitiva. Aprender é se mover do conhecido para o desconhecido. O educador Carlos Kater trabalhou alguns jogos e atividades lúdicas, corroborando a ideia de que o princípio do aprendizado é o prazer, o brincar, pois o fim de todo conhecimento é humano.

No curso ministrado pelo músico e educador musical Marcelo Petraglia, foram trabalhados exercícios sobre a criação em sala de aula sustentados na convicção de que as capacidades criativas podem tornar o projeto pedagógico mais rico, envolvente e eficaz. Devemos nos conscientizar da importância das janelas criativas, que trilham um percurso de audição que envolve Impressão através de forças apolíneas, ideia, forma, ordem, segurança, objetivo, sendo um processo de fora para dentro; e da Expressão que se configura através de forças dionisíacas, do corpo, movimento, processo, envolve risco, é subjetivo, um processo de dentro para fora.

Mas para a criação tem que haver treinamento. E, com o auxílio da impressão, caminhos podem ser desenvolvidos para a expressão ir se construindo passo a passo. Pois a gente não cria do nada. O ouvido escolhe o caminho, sendo importante na educação musical o estímulo do conhecimento da nossa identidade sonora, puxar de dentro de mim um fio que vai se atualizando a cada estágio. A convivência com o fazer musical pode ser mais intuitiva ou mais estruturada, mas em ambos é importante a oportunidade de buscar de dentro o impulso musical, construir canais ou oportunidades para a vontade fluir de uma forma que gere aprendizado. E aos poucos, a cultura vai se moldando, se auto-construindo e acordos consensuais como o ritmo, afinação, métrica vão sendo contextualizados. Isso se constrói antes da norma. 

No curso da educadora Enny Parejo, foi feita uma reflexão sobre o sentido das práticas musicais na escola, evidenciando a necessária articulação entre princípios filosóficos e metodológicos. Ela dissertou sobre a aprendizagem significativa que começa na história do aluno e da escola. Citou Paulo Freire e sua infinita virtude de escutar as pessoas. “Escute antes de mais nada. Escute os alunos, suas necessidades, para que algo faça sentido”. Ainda abordando Paulo Freire, suscitou a reflexão de alguns problemas da educação como o “bancarismo” que elimina a capacidade de reflexão e pensamento. Citou também Edgard Morin, o pai da Teoria da Complexidade, e a necessidade de uma reforma educacional, afinal somos seres multifacetados. Sinceramente, percebemos que as universidades estão mudando os cursos, mas parece que as superintendências e o Mec ainda não. Enny suscitou a reflexão sobre a base puramente epistemológica do material didático que é coerente com a visão mercadológica, a qual não está preocupada com a cultura nacional, nem com a inserção sociocultural. Sendo assim, os educadores musicais devem encarar os materiais didáticos com olhar crítico e não usá-los mecanicamente, devem conhecer os fundamentos das atividades propostas e não desprezar a vertente filosófica, do contrário se cai no velho “bancarismo”. Dessa forma, cuidado com a reificação do material didático que é uma forma de alienação do pensar do professor. Inexistindo uma política de currículo, este está entregue à racionalidade técnica, afastado da base.

Sendo assim, o evento, que marcou parceria entre o Instituto de artes da Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e a ABEM – Associação Brasileira de Educação Musical -, soprou ventos frescos às ideias e corações de estudantes, professores e todos os que puderam participar. Com a iluminação de outros olhares, saímos com aquela engenhosa sensação de riqueza. Em meio às incessantes palinódias desse mundo, em meio a um panorama social calamitoso de educação, esclarecimento cultural e posicionamento crítico, apesar do descaso e da falta de interesse político e dos vários empecilhos para uma pretensão pedagógica de alto nível neste país, ainda existem pessoas idealistas que buscam investigar a sub-reptícia conivência entre o encadeamento lógico da música e seu encantamento arrebatador, pessoas corajosas que, com iniciativas ousadas, lutam para construir um projeto de vida repleto de informação cultural, boa música, sensibilidade e cidadania. Porque, afinal, não se manipula a pessoa que foi sensibilizada e tem poder crítico

 O Instituto de Artes da Unesp, assim como a ABEM, Associação Brasileira da Música (ABM), Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Música (ANPPOM), Instituto Villa-Lobos, universidades e escolas de música são verdadeiros laboratórios para atualização, aprimoramento, aperfeiçoamento do exercício da Educação. Todos lutam contra a imbecilização coletiva, tentam abrir caminho para a reflexão antes que as pessoas se tornem surdas ou aparvalhadas dada a enorme quantidade de lixo que os meios de massa vomitam em nossas casas diariamente.




Abaixo o texto de Estreia de nossa "REVISTA ELETRÔNICA":






Crítica Musical

O IV Concurso de Piano do Cemva

                                                      Por Marco Antonio Rosestolato

            Foi com muita animação que vivenciamos a 4ª edição do concurso de piano do Conservatório de Varginha. Este ano o recital de abertura ficou a cargo do pianista Igor Reis Reyner que nos trouxe um programa arrebatador. Não nego que, a princípio, fiquei deveras temeroso quando vi o que ia ser apresentado na noite de abertura. Mas, enfim, que o louvem os deuses, o rapaz pensa alto e, tocando, também nos leva a alturas insondáveis. Apesar da minha pouca intimidade com Schumann, senti o coração bater gratuitamente, sem motivo nem sentido, por assim dizer por conta própria – acho isso misterioso.  Claro, nem tudo é perfeito. Se não fosse um desembrulhar de balas mortal e algumas vozes burburinhando durante Brahms, talvez teria vislumbrado o Olimpo. Nossos meninos precisam da vivência de salas de concerto, precisam ainda aprender a ouvir o som do silêncio. Como já dissera Murray Schaffer com razão: “Os eventos musicais precisam da proteção do silêncio, pois são acontecimentos frágeis”.
            No outro dia, me deparei com um palco bonito, bem arrumado, com flores, o banner do concurso bem posicionado ao fundo, os troféus  (a propósito magníficos troféus! Criativos em três tamanhos para os 3 lugares de cada categoria) dando um charme especial à mesa no palco. Felizes aqueles que os levaram para casa! As provas transcorreram cheias de dedos saltando e rolando como bolas de borracha sobre as teclas do piano, com algumas não raras curiosidades.
            Na categoria A, me deparei com crianças bem preparadas – grandes pequenos pianistas – se sentando bem, mãozinhas ágeis, extraindo sons delicados e inusitados de um piano avesso aos pequeninos dedos.
            A cada ano crescemos mais – estudantes e professores. Apesar dos trabalhos, cansaços, infindáveis reuniões e dilemas para se desfiarem, os diversos desafios que constituem a organização de um evento como esse, apesar de tudo, vale a pena ver a realização final, os ânimos cheios de rumores brindando o sucesso e o estímulo palpitante de estudantes e professores. Vemos e sentimos isso nos aplausos, nos olhos brilhantes e na expressão de ansiosa alegria em cada aluno participante, e em cada professor que faz parte de muitas histórias que subiram ali naquele palco.
            Mas, atiçando a realidade das provas da categoria B, vimos o nervosismo transpirando sobre as teclas do piano e músicas trauteando um quê de desassossego sobre as teclas deixando à vista e aos ouvidos a necessidade da técnica e do estudo intenso e o rubor héctico sussurrando que, apesar do mágico encanto do piano, ele também é exigente, e sabe ser cruel com quem não se dedica efetivamente.
            As categorias C e D, logo à noite, exigiram um público mais silencioso e concentrado, mas não o mereceram totalmente. Mas como é gostoso ouvir aquelas sonatinas quando claras e límpidas; mas quando embaraçam entre os dedos dá uma ansiedade e vontade de desfazer aquele nó. Mãos que dão nó são um problema. Não poderia ser o piano um pouco mais dócil com essas mãos temerosas? Vislumbrei algumas vezes as animosidades atrevidas ou assustadas, estampadas em elegantes vestimentas. Não posso negar que ora a Balada de Burgmuller se transformava em uma lança de gladiador – uma luta na arena, ora a mão direita ficava mau humorada e esbravejava severamente. E cuidado! Houve alguns momentos em que  o desequilíbrio tomou conta e a falta de memória foi a grande vilã. Que pena! A vida é cruel e não dá chances, assim como as teclas daquele piano no momento fatal. Mas houve também momentos de equilíbrio que fizeram brilhar a Balada e também momentos de firmeza nas sonatinas. Em algum momento soava a ambiguidade entre a doçura da paulistana nº 1 e um Mignone tão seco como o sertão.
            Com as luzes da plateia apagadas, assim, à meia luz, misteriosamente, deram-se início as provas da categoria D, com uma aura de sofisticação, além de uma técnica e dinâmicas que fulgiam deslumbrantes fazendo jus à penumbra e aos corações atrevidos. A oração da manhã de Tchaikovsky quase iluminou a noite com a suavidade de suas notas e a primorosa execução dos participantes. Chopin esteve presente, um pouco tímido, mas tão musical. Uma maré de Villa-Lobos inundou de brilho a noite. O toque idiossincrático de Bach vacilou entre furtivo, sinistro e imponente. Um Erotik clássico e racional, com um toque firme, mas que em determinados momentos pedia mais doçura. Por um momento vislumbrei um Haydn quase pensando em fugir às rédeas do classicismo, mas recobrando a razão em breve. O clima “gótico” de uma invenção nº 15, as espirais de sons ainda um pouco presas de um certo Arabesque contrastando com o classicismo de Mozart, tudo soando bem, só não perfeito devido à preocupação bem disfarçada do pianista, uma Consolação de Liszt que eu não conhecia, bem a cara de Liszt, só faltou a paixão. A clareza das escalas, acordes tocados com veemência, a insistência de Beethoven, o desembaraço dos prestos e allegros de Haydn e Mozart deram gosto de ouvir.
            Não podemos negar: os concorrentes da categoria D se mostraram mais concentrados e mais avessos às armadilhas do nervosismo.
            Enfim, o que consegui presenciar foi não a perfeição – mas essa, deixemo-la para os deuses - , mas a aura de sofisticação, preparo, nervosismo controlado, técnica, musicalidade e muito estudo. E muita audácia, e muita coragem de subir ao palco, de tocar para um júri competente e uma plateia ávida de música, de voar a alturas varridas pelos ventos do desejo de buscar e crescer cada vez mais. Deixo aqui expressa a importância desses estudantes na escrita da nossa história, na combatividade e na revolução musical proclamada por esses audaciosos pianistas em prol de um evento que se consagra, a cada ano, um marco na história do nosso conservatório de música de Varginha.
         

Um comentário:

Unknown disse...

Poderiam me informar qual o número do conservatório?