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200 ANOS DE NASCIMENTO DE GIUSEPPE VERDI
SOBRE
GIUSEPPE VERDI
Por Flavio Caldonazzo de Castro
Qualquer pesquisa na internet pode informar muito sobre Giuseppe Verdi e isto é acessível a todos. Nada que eu pudesse acrescentar poderia ser melhor que as inúmeras fontes disponíveis hoje em dia. Por isso resolvi que para esta comemoração de 200 anos de nascimento do músico, eu devia falar um pouco das minhas impressões pessoais sobre este grande compositor de óperas.
Conheci Verdi, ali pelo ano de 1986, 87, não posso precisar muito bem, mas o
que me lembro é que eu fiz o que a maioria das pessoas que já têm algum
conhecimento musical e quando acostumados à Beethoven, Brahms, por exemplo,
fazem: eu o desprezei de cara. Não teve muita importância para ele, pois que já
estava morto há mais de um século e meio. Mas o que fez com que eu fizesse este
pré-conceito? A resposta é simples: eu fiz o que quase todos os novatos nos
estudos musicais fazem, eu generalizei e comparei compositores de forma
indevida. Como em qualquer área das artes ou do conhecimento em geral, as
coisas devem ser separadas em categorias antes de serem avaliadas. Um grande
escritor com Dostoievski, profundo conhecedor da psicologia humana, mestre
entre mestres na arte da literatura, talvez não pudesse escrever, se vivesse
hoje, uma boa telenovela. Giuseppe Verdi foi um mestre na música de ópera, na
música de entretenimento, jamais poderia ser um Beethoven, ou um Gustav Mahler.
Mas estes também nunca poderiam fazer o que o compositor italiano fazia. Está
aí Fidélio para nos demonstrar que o gênio grandioso do mestre de Bonn que
compôs obras magníficas e irretocáveis, não tinha mão para a ópera, e se hoje
ainda insistimos em nos lembrar de Fidélio, é mais pelas suas perfeitas
Aberturas, do que pelo valor operístico daquela obra. Beethoven com seu
temperamento orgulhoso (e pessoalmente dou-lhe razão por ter sido assim),
talvez não admitisse que Fidélio, como ópera, deixava muito a desejar, e aqui
passamos a outra faceta de Giuseppe que logo após eu superar minha ignorância,
pude apreciar com muita admiração. Verdi, sempre se criticou e reconheceu o que
ele podia ou não realizar. Ao ver uma partitura de Richard Wagner, chegou a
comentar algo como: "não posso imaginar como ele consegue fazer algo
assim, ele é louco!" (não me lembro das palavras exatas), mas não era em
tom de crítica e sim de admiração por reconhecer em outro compositor de óperas,
um gênio muito diferente do seu, embora tenha criticado sua música em alguns
momentos. Não quero me estender muito, pois sou um pouco suspeito quando
escrevo ou falo de Verdi, pois posso ficar por muito tempo relembrando
extraordinárias coisas em sua personalidade e em suas atitudes, muitas das
quais nada têm a ver com música, que me fazem admirá-lo como um filósofo.
Devemos também ter sempre em mente que Giuseppe Verdi, embora tenha escrito
trechos geniais em determinadas obras, nunca foi um compositor que tenha tido a
facilidade que tinha Mozart, por exemplo. Verdi foi um aprendiz de si mesmo, um
aprendiz de suas reflexões sobre suas próprias obras, de seus erros, de seus
fracassos, de sua orquestração pobre dos primeiros trabalhos, tudo coisas que
ele mesmo ao longo dos anos admitiu, sem pesar, nem tristeza, mas com o
realismo de alguém que analisa a obra distanciada do artista. Através disso
ele conquistou a genialidade que muitos ganham de presente (dos deuses... ou de
onde quer que venham estas facilidades), a cada novo trabalho Verdi progredia.
Como viveu muito (1813-1901), a maioria de seus primeiros críticos não viveram
para ver esta transformação. Não poucos o criticaram severamente, não sem
razão, pois estavam certos naquela época, mas não puderam conhecer o seu
Réquiem e suas ultimas óperas: Aída, Othelo e Faustaff. Obras de orquestração
irretocável, de fineza e sensibilidade cuidadosa, e que revelam o denso
envolvimento do compositor com a obra que musicou. Para não me alongar mais,
convido a todos a conhecer mais sobre este compositor, mas sugiro que façam
isso tentando investigar paralelamente o homem e a música.
F.C
C
Para
complementar, vou transcrever algumas palavras do próprio Verdi, retiradas de
fragmentos de cartas que fazem parte, em minha opinião, do melhor livro (com
tradução para o português) sobre Verdi: Verdi
- vida e ópera, de Charles Osborne:
"(...)
insisto na brevidade, porque é isso que o público quer"
"(...)
‘I Lombardi’ foi um grande fiasco (...) esta é a pura verdade, que lhe relato
nem com prazer, nem com tristeza"
"(...)
eu também vi essas fraquezas antes da ópera ser produzida, e você não imagina
quanto refleti sobre elas. Mas as falhas estão profundamente enraizadas e
qualquer retoque só tornaria as coisas piores (...)" [sobre a ópera Alzira]
“(...)
o que é bom neste lugar é que ninguém toca música, nem fala a respeito. Foi uma
verdadeira inspiração não ter trazido um cravo para cá. Não me sinto mais eu
mesmo; não consigo acreditar que seja capaz de escrever música, de compor
peças, boas ou más, e não sei se um dia poderei voltar ao trabalho. Como são
vazias em comparação, as palavras “fama”, “glória”, “talento” (...)” [por ocasião de um afastamento para
tratamento de águas em uma estância]
“(...)
devo musicar com perfeita confiança qualquer tema que me comova, mesmo que seja
condenado por todos os outros compositores como inadequado para a música (...)”
“(...)
Traviata na noite passada – um fiasco. Minha culpa, ou dos cantores? O tempo
dirá (...)”
“(...)
Adoro Fausto, mas não gostaria de transformá-lo em ópera. Estudei-o mil vezes,
mas não acho que o personagem seja musical, isto é, musical do modo como penso
em música (...)”
“(...)
está surpreso com a falta de decoro do público? Eu não (...) aos 25 anos eu
ainda tinha ilusões (...) esta mesma platéia tratou mal a ópera de um jovem
pobre e doente (...) com o coração partido por uma terrível infelicidade. Todos
sabiam disso, o que não os fez se comportar com cortesia. Desde aquela ocasião,
nunca mais vi ‘un giorno di regno’, e não tenho dúvidas de que é uma ópera
horrível (...) mas quantas outras nada melhores foram toleradas e até
aplaudidas. Oh, se ao menos o público naquela época tivesse, não aplaudido, mas
pelo menos tolerado minha ópera em silêncio, eu não seria capaz de encontrar
palavras suficientes para agradecer. Se agora encaram com suas boas graças
aquelas minhas óperas que fizeram a volta ao mundo, então a questão está
resolvida. Não os condeno: que sejam severos. Aceito suas vais com a condição
de não ter que lhes pedir seus aplausos (...) somos forçados a vender nossos
trabalhos, nossos pensamentos e nossos sonhos em troca de ouro. Por três liras
o público compra o direito de vaiar ou aplaudir. Nosso destino é a resignação,
e isso é tudo! (...) que coisa triste é o teatro!
“(...)
Um grave infortúnio se abateu sobre nós e nos fez sofrer terrivelmente. Loulou,
pobre Loulou, morreu! Pobre criatura! Amigo verdadeiro, o companheiro fiel e
inseparável de quase seis anos de vida! Tão afeiçoado, tão bonito! Pobre
Loulou!(...) [sobre
a morte do cãozinho de estimação]
“(...)
Quando li no jornal de ontem, fiquei realmente horrorizado. Não vamos discutir
isso. Um grande indivíduo desapareceu! Um nome que deixa uma poderosa marca na
história da arte” [sobre
a morte de Richard Wagner]
“(...)
Recebi o diploma nomeando-me Comendador da Coroa da Itália, Esta ordem foi
criada para homenagear homens que prestaram algum serviço à Itália, no exército
ou na literatura, nas ciências e na arte. Apesar de, conforme o senhor mesmo
disse e acredita a música não ser o seu campo, uma carta endereçada por sua
Excelência a Rossini expressou a opinião de que não se escreveu nenhuma ópera
na Itália nos últimos 40 anos. Por que então esta condecoração me é enviada?
Certamente deve ter havido algum engano de endereço. Estou devolvendo-a.” [Carta ao Ministro
da Instrução Pública]
“(...)
digo francamente que minha música, seja bonita ou feia, não é nunca escrita no
vácuo, e sempre tento dar-lhe caráter”.
“(...)
quero que meu funeral seja extremamente simples e que ocorra ou ao nascer do
dia, ou na hora da Ave Maria, sem
música, nem canções (grifo
meu). Não desejo que publiquem os convencionais
anúncios fúnebres (...)”
Aluno do
Conservatório faz sucesso no UNIS
Por Angela Ignez
Marcellini Massa
Li há alguns dias, uma notícia no site do UNIS; um de nossos
alunos criara um projeto e trabalhava nele, com sucesso.
Fui averiguar e descobri que ele montara um coral com presidiários,
cantava em missas e escolas, a cada apresentação necessitava de permissão do
Juiz e, nessas ocasiões, todo um procedimento tinha que ser observado-
segurança, armas, algemas, policiais e o Elias, com muito carinho, oportunizando
o reencontro de excluídos com a própria sociedade a quem eles fizeram mal.
Pensei na validade do projeto, amadureci a idéia, lancei a
discussão na sala de aula, no Conservatório, 5ª feira, entre os colegas do
Elias.
Perdemos uma aula? Acho que não. Olhos estavam fixos nele
enquanto contava do seu trabalho; cabeças muito jovens descobriam (pude ler
isso) que podiam fazer, também, algo assim.
Toda a conseqüência - ganhar ternos de advogados para não
cantar com roupas do presídio, serem muito afinados ou não, o “conceito” que o
Elias ganharia na Faculdade que faz, nada, era comparável ao entusiasmo com que
nosso aluno falava do projeto, da alegria que vive, das “falas” que recebe como
“pagamento”, dos presidiários.
Eles, nódoas na sociedade, fizeram mal e devem pagar por
isso. Podem praticar, novamente, tais crimes se forem soltos? Não discuto isso -
todos podemos praticar crimes se nos apresentarem situações inusitadas.
Entretanto, durante o tempo de suas “penas”, quem sabe se
vendo a dedicação do Elias, a emoção de quem os ouve, quem sabe seus corações
podem ser tocados, quem sabe a música pode fazer mais esse milagre?
IV Semana de Educação Musical da Unesp e VIII Encontro
Regional Sudeste da ABEM
Por Marco Antonio Rosestolato
“A beleza é uma coisa curiosa. Quando você é capaz de
apreciar a beleza, muita coisa feia é eliminada”. Essas foram sábias palavras
da professora Enny Parejo. E foi com a mesma atuação revestida de profundidade,
leveza e sabedoria que aconteceram os outros encontros em São Paulo, de 17 a 21
de setembro, na IV Semana de Educação Musical da Unesp e VIII Encontro Regional
Sudeste da ABEM, com o tema “Educação Musical e contemporaneidade: invenção,
tecnologia e pesquisa”. O evento contou com uma grande equipe organizadora,
destacando-se a Drª Margarete Arroyo e a Drª Marisa Fonterrada, e ocorreu
através de conferências, mesas-redondas, sessões de comunicações orais, minicursos,
apresentações musicais, lançamentos de livros e audiovisuais, exposição de
materiais e uma plenária que refletiu acerca dos resultados do evento. E contou
com a presença de educadores musicais e pesquisadores nacionais e estrangeiros
destilando não o conhecimento empertigado e cheirando a miragem, mas esbanjando
despojadamente a humildade de mãos dadas com o conhecimento.
É interessante observar que, em meio à chuva ácida dos
currículos impostos, às leis pretensiosas e ao pouco caso das secretarias de
educação e superintendências, em um tempo de desvalorização humana,
multiculturalidade e cartesianismo, em meio a uma modernidade líquida em que se
liquefazem os valores, se banaliza o pensar e o professor se transforma
em objeto, apesar disso e muito mais, alguns educadores, estudantes e
pesquisadores se reúnem para buscar construir e compartilhar o sentido da
Educação Musical e a importância da Música na educação do século XXI, pessoas
que acreditam no poder transformador da Arte. Arte não somente como cultura ou evento,
mas como Educação.
Na conferência “Música na Escola nos Estados da região
Sudeste”, houve a apresentação da situação da música nos Estados dessa região.
Minas Gerais, representado pela Drª Sonia Tereza Ribeiro (UFU), conta com a
particularidade de seus 12 conservatórios, mas isso não elimina os problemas
pelos quais o Estado passa para incluir a música nas escolas, como a falta de
professores. Minas fez o comunicado às escolas sobre a música, mas sem oferecer
diretrizes de como proceder. Em Uberlândia, 58 das 67 escolas, apenas 17
trabalham música, em Alfenas 86% das escolas estaduais não oferecem música, em
Iapu, no Vale do Rio Doce, e outras cidades, a música ainda não está sendo
oferecida. Foi citado no Encontro que a Superintendência de Varginha falou de
um convênio do Estado com o Governo Federal sobre a criação de novos
conservatórios. Mas até agora, ao indagar a nossa superintendente de Ensino,
não obtive um retorno à veracidade dessa informação.
Pelo fato de não termos a mesma escola europeia em
termos de capital cultural e, ao contrário, para o nosso desprazer, sermos um
país que se formou muito antes pelas mídias do que pela própria escola, a Drª Maria
da Graça Jacintho Setton (FE – USP), apresentando alguns aspectos relativos ao processo
de transmissão difusa de disposições de cultura e se espelhando na teoria
disposicionalista empreendida por Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, enfatizou a
necessidade de se fazer acomodações ou mediações teóricas entre esses autores e
a realidade brasileira.
Em uma mesa redonda sobre Educação musical e
tecnologias, presidida pelo Dr. José Manuel Moran (Universidade de Anhanguera –
Uniderp) e o Dr. Daniel Marcondes Gohn (UFSCar), foram abordadas novas
metodologias como o “flipped learning” – aulas invertidas – trabalhando sobre
aquilo que os alunos aprenderem, criando um ambiente virtual e levando-os a
ler, pesquisar e buscar. Eles trataram do professor contextualizador que,
através de discussão e aprofundamento, fazem a interligação constante entre
ambientes físicos e digitais formando uma sala de aula ampliada. Explicitaram
que a tecnologia é um caminho sem volta, mas ficou bastante claro que nós não
podemos nos esquecer de que a educação é um processo humano mediado pela tecnologia.
Compete a nós fazer a ponte entre o humano e o tecnológico.
“Só existe música quando existe a intenção de
escutar”. No curso ministrado pelo educador, musicólogo e compositor Carlos
Kater, foram abordadas algumas estratégias de sensibilização da escuta e da
percepção sonoro-musical. Foi definida como meta importante a construção da
escuta. Foi esclarecida a distinção entre o professor de música e o educador
musical. Sendo o professor de música responsável pelo aprendizado do canto, de
um instrumento, da história, das condições sociais etc.; e o educador musical,
além de também ser responsável por todo o conteúdo da música, não pode perder o
foco da pessoa humana, desenvolvendo a sensibilidade com a música pela música.
O educador musical sempre coloca um desafio e o aprendizado se realizada sempre
em uma tensão cognitiva. Aprender é se mover do conhecido para o desconhecido.
O educador Carlos Kater trabalhou alguns jogos e atividades lúdicas,
corroborando a ideia de que o princípio do aprendizado é o prazer, o brincar,
pois o fim de todo conhecimento é humano.
No curso ministrado pelo músico e educador musical
Marcelo Petraglia, foram trabalhados exercícios sobre a criação em sala de aula
sustentados na convicção de que as capacidades criativas podem tornar o projeto
pedagógico mais rico, envolvente e eficaz. Devemos nos conscientizar da
importância das janelas criativas, que trilham um percurso de audição que
envolve Impressão através de forças apolíneas, ideia, forma, ordem, segurança,
objetivo, sendo um processo de fora para dentro; e da Expressão que se
configura através de forças dionisíacas, do corpo, movimento, processo, envolve
risco, é subjetivo, um processo de dentro para fora.
Mas para a criação tem que haver treinamento. E, com o
auxílio da impressão, caminhos podem ser desenvolvidos para a expressão ir se
construindo passo a passo. Pois a gente não cria do nada. O ouvido escolhe o
caminho, sendo importante na educação musical o estímulo do conhecimento da
nossa identidade sonora, puxar de dentro de mim um fio que vai se atualizando a
cada estágio. A convivência com o fazer musical pode ser mais intuitiva ou mais
estruturada, mas em ambos é importante a oportunidade de buscar de dentro o
impulso musical, construir canais ou oportunidades para a vontade fluir de uma
forma que gere aprendizado. E aos poucos, a cultura vai se moldando, se
auto-construindo e acordos consensuais como o ritmo, afinação, métrica vão sendo
contextualizados. Isso se constrói antes da norma.
No curso da educadora Enny Parejo, foi feita uma
reflexão sobre o sentido das práticas musicais na escola, evidenciando a
necessária articulação entre princípios filosóficos e metodológicos. Ela
dissertou sobre a aprendizagem significativa que começa na história do aluno e
da escola. Citou Paulo Freire e sua infinita virtude de escutar as pessoas. “Escute
antes de mais nada. Escute os alunos, suas necessidades, para que algo faça
sentido”. Ainda abordando Paulo Freire, suscitou a reflexão de alguns problemas
da educação como o “bancarismo” que elimina a capacidade de reflexão e
pensamento. Citou também Edgard Morin, o pai da Teoria da Complexidade, e a
necessidade de uma reforma educacional, afinal somos seres multifacetados.
Sinceramente, percebemos que as universidades estão mudando os cursos, mas
parece que as superintendências e o Mec ainda não. Enny suscitou a reflexão
sobre a base puramente epistemológica do material didático que é coerente com a
visão mercadológica, a qual não está preocupada com a cultura nacional, nem com
a inserção sociocultural. Sendo assim, os educadores musicais devem encarar os
materiais didáticos com olhar crítico e não usá-los mecanicamente, devem conhecer
os fundamentos das atividades propostas e não desprezar a vertente filosófica,
do contrário se cai no velho “bancarismo”. Dessa forma, cuidado com a reificação
do material didático que é uma forma de alienação do pensar do professor.
Inexistindo uma política de currículo, este está entregue à racionalidade
técnica, afastado da base.
Sendo assim, o evento, que marcou parceria entre o
Instituto de artes da Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” e a ABEM – Associação Brasileira de Educação Musical -, soprou ventos
frescos às ideias e corações de estudantes, professores e todos os que puderam
participar. Com a iluminação de outros olhares, saímos com aquela engenhosa
sensação de riqueza. Em meio às incessantes palinódias desse mundo, em meio a
um panorama social calamitoso de educação, esclarecimento
cultural e posicionamento crítico, apesar do descaso e da falta de interesse
político e dos vários empecilhos para uma pretensão pedagógica de alto nível
neste país, ainda existem pessoas idealistas que buscam investigar a
sub-reptícia conivência entre o encadeamento lógico da música e seu
encantamento arrebatador, pessoas corajosas que, com iniciativas ousadas, lutam
para construir um projeto de vida repleto de informação cultural, boa música,
sensibilidade e cidadania. Porque, afinal, não
se manipula a pessoa que foi sensibilizada e tem poder crítico
O Instituto de Artes da Unesp, assim
como a ABEM, Associação Brasileira da Música (ABM),
Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Música (ANPPOM), Instituto
Villa-Lobos, universidades e escolas de música são
verdadeiros laboratórios para atualização, aprimoramento, aperfeiçoamento do
exercício da Educação. Todos lutam
contra a imbecilização coletiva, tentam abrir caminho para a reflexão antes que
as pessoas se tornem surdas ou aparvalhadas dada a enorme quantidade de lixo que
os meios de massa vomitam em nossas casas diariamente.
Abaixo o texto de Estreia de nossa "REVISTA ELETRÔNICA":
Crítica Musical
O IV Concurso de Piano do Cemva
Por Marco Antonio Rosestolato
Foi com muita animação que vivenciamos a 4ª edição do
concurso de piano do Conservatório de Varginha. Este ano o recital de abertura
ficou a cargo do pianista Igor Reis Reyner que nos trouxe um programa
arrebatador. Não nego que, a princípio, fiquei deveras temeroso quando vi o que
ia ser apresentado na noite de abertura. Mas, enfim, que o louvem os deuses, o
rapaz pensa alto e, tocando, também nos leva a alturas insondáveis. Apesar da
minha pouca intimidade com Schumann, senti o coração bater gratuitamente, sem
motivo nem sentido, por assim dizer por conta própria – acho isso misterioso. Claro, nem tudo é perfeito. Se não fosse um
desembrulhar de balas mortal e algumas vozes burburinhando durante Brahms,
talvez teria vislumbrado o Olimpo. Nossos meninos precisam da vivência de salas
de concerto, precisam ainda aprender a ouvir o som do silêncio. Como já dissera
Murray Schaffer com razão: “Os eventos musicais precisam da proteção do
silêncio, pois são acontecimentos frágeis”.
No outro dia, me deparei com um palco bonito, bem
arrumado, com flores, o banner do concurso bem posicionado ao fundo, os
troféus (a propósito magníficos troféus!
Criativos em três tamanhos para os 3 lugares de cada categoria) dando um charme
especial à mesa no palco. Felizes aqueles que os levaram para casa! As provas
transcorreram cheias de dedos saltando e rolando como bolas de borracha sobre
as teclas do piano, com algumas não raras curiosidades.
Na categoria A, me deparei com crianças bem preparadas –
grandes pequenos pianistas – se sentando bem, mãozinhas ágeis, extraindo sons
delicados e inusitados de um piano avesso aos pequeninos dedos.
A cada ano crescemos mais – estudantes e professores.
Apesar dos trabalhos, cansaços, infindáveis reuniões e dilemas para se
desfiarem, os diversos desafios que constituem a organização de um evento como
esse, apesar de tudo, vale a pena ver a realização final, os ânimos cheios de
rumores brindando o sucesso e o estímulo palpitante de estudantes e
professores. Vemos e sentimos isso nos aplausos, nos olhos brilhantes e na
expressão de ansiosa alegria em cada aluno participante, e em cada professor
que faz parte de muitas histórias que subiram ali naquele palco.
Mas, atiçando a realidade das provas da categoria B,
vimos o nervosismo transpirando sobre as teclas do piano e músicas trauteando
um quê de desassossego sobre as teclas deixando à vista e aos ouvidos a
necessidade da técnica e do estudo intenso e o rubor héctico sussurrando que,
apesar do mágico encanto do piano, ele também é exigente, e sabe ser cruel com
quem não se dedica efetivamente.
As categorias C e D, logo à noite, exigiram um público
mais silencioso e concentrado, mas não o mereceram totalmente. Mas como é
gostoso ouvir aquelas sonatinas quando claras e límpidas; mas quando embaraçam
entre os dedos dá uma ansiedade e vontade de desfazer aquele nó. Mãos que dão nó
são um problema. Não poderia ser o piano um pouco mais dócil com essas mãos
temerosas? Vislumbrei algumas vezes as animosidades atrevidas ou assustadas,
estampadas em elegantes vestimentas. Não posso negar que ora a Balada de
Burgmuller se transformava em uma lança de gladiador – uma luta na arena, ora a
mão direita ficava mau humorada e esbravejava severamente. E cuidado! Houve
alguns momentos em que o desequilíbrio
tomou conta e a falta de memória foi a grande vilã. Que pena! A vida é cruel e
não dá chances, assim como as teclas daquele piano no momento fatal. Mas houve
também momentos de equilíbrio que fizeram brilhar a Balada e também momentos de
firmeza nas sonatinas. Em algum momento soava a ambiguidade entre a doçura da paulistana
nº 1 e um Mignone tão seco como o sertão.
Com as luzes da plateia apagadas, assim, à meia luz,
misteriosamente, deram-se início as provas da categoria D, com uma aura de
sofisticação, além de uma técnica e dinâmicas que fulgiam deslumbrantes fazendo
jus à penumbra e aos corações atrevidos. A oração da manhã de Tchaikovsky quase
iluminou a noite com a suavidade de suas notas e a primorosa execução dos
participantes. Chopin esteve presente, um pouco tímido, mas tão musical. Uma
maré de Villa-Lobos inundou de brilho a noite. O toque idiossincrático de Bach
vacilou entre furtivo, sinistro e imponente. Um Erotik clássico e racional, com
um toque firme, mas que em determinados momentos pedia mais doçura. Por um
momento vislumbrei um Haydn quase pensando em fugir às rédeas do classicismo,
mas recobrando a razão em breve. O clima “gótico” de uma invenção nº 15, as
espirais de sons ainda um pouco presas de um certo Arabesque contrastando com o
classicismo de Mozart, tudo soando bem, só não perfeito devido à preocupação
bem disfarçada do pianista, uma Consolação de Liszt que eu não conhecia, bem a
cara de Liszt, só faltou a paixão. A clareza das escalas, acordes tocados com
veemência, a insistência de Beethoven, o desembaraço dos prestos e allegros de
Haydn e Mozart deram gosto de ouvir.
Não podemos negar: os concorrentes da categoria D se
mostraram mais concentrados e mais avessos às armadilhas do nervosismo.
Enfim, o que consegui presenciar foi não a perfeição –
mas essa, deixemo-la para os deuses - , mas a aura de sofisticação, preparo,
nervosismo controlado, técnica, musicalidade e muito estudo. E muita audácia, e
muita coragem de subir ao palco, de tocar para um júri competente e uma plateia
ávida de música, de voar a alturas varridas pelos ventos do desejo de buscar e
crescer cada vez mais. Deixo aqui expressa a importância desses estudantes na
escrita da nossa história, na combatividade e na revolução musical proclamada
por esses audaciosos pianistas em prol de um evento que se consagra, a cada
ano, um marco na história do nosso conservatório de música de Varginha.
Um comentário:
Poderiam me informar qual o número do conservatório?
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