DEPOIS OS MÚSICOS RECLAMAM QUE SÃO MAL VISTOS
20 de fevereiro de 2012
A desumana exigência de civilidade nos concertos – Soluções?
Imponência que assusta - Franz Welser-Most conduzindo a Cleveland Orchestra no Knight Concert Hall em foto de Roger Mastroianni
Será que já existe um livro sobre a história do público de concerto? Há alguns estudos mais focalizados, como Listening in Paris: A Cultural History de James H. Johnson, After the Golden Age: Romantic Pianism and Modern Performance de Kenneth Hamilton, Highbrow/Lowbrow: The Emergence of Cultural Hierarchy in America de Lawrence Levine, The Great Transformation of Musical Taste: Concert Programming from Haydn to Brahms de William Weber ou mesmo Norbert Elias e suas obras sobre a sociedade de corte e processo civilizador. A partir desse tipo de historiografia, é possível observar como em algum momento a performance musical aderiu a uma cerimônia bastante rígida e formal nas salas de concerto comparada, por exemplo, ao tipo de audiência musical promovida durante o século XVIII ou XIX na Europa. Pois se hoje um concerto comum de uma orquestra sinfônica prevê um ritual de momentos para aplaudir, ficar em silêncio, tossir, levantar e mesmo uma ordem de entrada e saída dos músicos – tudo desempenhado com o confinamento do público às suas respectivas poltronas -, em 1780 concertos em Paris ou em Viena não eram necessariamente abertos ao público em geral, mas reuniões aristocráticas em que mesmo a montagem de uma ópera em um teatro seria apenas um dos atrativos de um ambiente em que se conversava, se visitava os amigos nos seus camarotes, se jogava xadrez, se namorava nos últimos balcões, etc. (e teatros suburbanos, se não eram fechados ou aristocráticos, não diferiam nesse aspecto). Isto já foi muito bem abordado no post “Uma nota sobre as boas maneiras em concerto“ do Randau e pelo excelente artigo “Why So Serious?: How the classical concert took shape“ do Alex Ross para a The New Yorker, e é frequentemente explicado como: 1) parte de um processo civilizador da história contemporânea e suas etiquetas, 2) resultado de um sincretismo social dos teatros e de um embotado decoro pequeno-burguês em busca de status ou 3) no seu extremo, como parte de um processo de sacralização, de canonização e de engajamento com a ideia do sublime na concepção da música e do ambiente propício para se apreciá-la.
Mas o exame dessa história só faz alguns problemas surgirem com ainda maior pertinência, pois podemos passar a nos perguntar: o padrão atual de um concerto de música e as suas etiquetas se concilia bem com o comportamento do público? Vejamos uns casos reais.
Aplausos
Em dezembro do ano passado Bruno Gripp relatou os aplausos efusivos durante um concerto da OSB no meio do último movimento da Nona Sinfonia de Beethoven, após a exposição do tema da Ode à Alegria, em que uma cadência deceptiva não podia sugerir que a música de fato havia terminado. O problema do comportamento do público em concertos é sempre uma oportunidade de se repensar a recepção musical desse público, como foi feito no post, mas também pode lançar consciência sobre a própria cerimônia do concerto. Por isso sempre que o público aplaude “na hora errada”, seja no meio ou especialmente entre movimentos de uma obra que ainda não acabou, o instinto de lhe imputar uma “culpa” é, por exemplo, revisto pelos otimistas: diz-se que provavelmente se trata de um público novo aos concertos, ainda não iniciado à sua etiqueta, e que a presença de gente nova é sempre bom sinal. Continue lendo...
Estrutura fractal na música de Johann Sebastian Bach
Estrutura global
Muitos consideram que o tema inicial consiste nas duas frases de quatro tempos iniciais (8 compassos ), a segunda respondendo à primeira, e que há cerca de 30 variações com a estrutura de 8 compassos e alguns elementos órfãos de transição com 4 compassos (como a variação de transição nos compassos 33-36, que segue a progressão de acordes Rém, Lá, Solm, Sibdim).
Podemos harmonizar os primeiros 24 compassos deste modo:
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 A/C# Dm
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 Em7/5- A Dm («resposta»)
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 A Dm
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 Em7/5- A Dm («resposta»)
Dm Gm6 A7/C# Gº-A-D7-G C#º A4-Dm6 A7 Dm
Dm Gm6 A7/C# Gº-F#º-D7-G C#º/A A4 A7 Dm («resposta»)
No entanto, como há uma linha de baixo, omnipresente em toda a composição, com uma duração de 4 compassos, podemos considerar que o tema consiste nos primeiros 4 compassos e que cada grupo de 4 compassos é uma variação. O tema inicial consistirá então numa progressão de acordes, com uma duração de 4 compassos, aproximadamente equivalente a: I IV V I VI IV V I; ou seja, Rém, Solm, Lá7, Rém , Sib, Solm, Lá, Rém. Nesse caso, a peça fica com uma estrutura binária simétrica global:
||| Tema | 30 variações || Tema | 30 variações || Tema, variação cadenciada|||
A pauta da Chaconne como estaria registada no papel de uma pianola,
correspondendo à representação logarítmica das frequências presentes em cada momento
Curiosamente nas Variações Goldberg também há este padrão de 30 variações.
Nota: Depois do tema, há 30 variações (120 compassos, acabando no compasso 124). Volta então o Tema e uma variação ainda em tom menor (8 compassos, acabando no compasso 132).Depois, há 19 variações em tom maior (76 compassos, acabando no compasso 208) e 10 variações em tom menor (40 compassos, acabando no compasso 248). O tema regressa em (249-252) e a peça acaba com uma variação cadenciada extra em (253-257).
Aumentando o detalhe da análise da estrutura global, revela-se a estrutura mais fina de cada um dos grupos de 30 variações, representada na figura que se segue:
No primeiro grupo de 30 variações, há 20 (6+ 8+ 4+ 2) em que o tema inicial é exaustivamente explorado por mudanças melódicas, rítmicas e harmónicas e a trama musical se vai adensando progressivamente por diminuições cada vez mais trepidantes e depois 10 em que, depois de algumas tiradas de contraste, surge um episódio mais lânguido de repouso, sempre em harpejos, que termina em jogos violinísticos muito «à italiana» que levam a um grandioso regresso ao tema inicial.
No segundo grupo de 30 variações, há 20 em que se dá modulação para a tonalidade maior, através de uma cascata de dissonâncias calculadas, e em que se atinge um desenvolvimento sonoro poderoso e 10 em ré menor em que se entra numa meditação nostálgica, quase queixosa, que se anima pouco a pouco com soluços que aparecem sob a forma de um lá da dominante incansavelmente intercalado ao agudo no desenvolvimento da frase. Nas 20 primeiras variações deste grupo, as primeiras 13 são um coral luminoso que sobe as oitavas num «crescendo» e se transforma numa dança saltitante e ingénua que se amplifica progressivamente e as últimas 7 uma explosiva marcha triunfal cuja coda animada reconduz à tonalidade menor. Nas últimas 10, as primeiras 5 são mais nostálgicas e quase queixosas (há uma primeira parte de 2 variações mais nostálgicas seguidas de 3 que já o são um pouco menos) e as últimas 5 são pouco a pouco mais animadas e levam depressa a uma grandiosa reexposição do tema na sua forma original (há uma primeira parte de 3 variações mais soluçantes seguidas de 2 com harpejos e tiradas que levam à reexposição do tema, que se alarga em apoteose até ao uníssono final).
Esta estrutura não é excepcional. A maioria das composições estão estruturadas de um modo semelhante e a sua subdivisão forma motivos e outras unidades mais pequenas que ecoam estruturas binárias auto-semelhantes que por sua vez se podem subdividir, de um modo semelhante, em outras. É a auto-semelhança característica das figuras fractais que exibem estruturas geométricas que se repetem em vários tamanhos. A semelhança não é exacta mas apenas estatística, como na maioria dos objectos naturais.
A estrutura, de Chaconne é descrita por vezes como constando de 3 partes, com um clímax com o epicentro na segunda parte, e constando de 5 temas independentes, relativamente curtos e constantemente repetidos e variados, que são tratados sequencialmente (não entrelaçados ou progressivamente construídos como seria numa sonata).
Estrutura fractal
A Chaconne da Partita nº2 de Bach é uma peça que demora uns 15 minutos a tocar. Nunca se repete mas é possível tocá-la de memória (fi-lo quase diariamente durante vários anos da minha vida). Mas não tenho - é claro! - uma memória «fotográfica» completa dela. É uma memória que vai sendo evocada e «reconstruida» passo a passo. Quanto menos consciente estiver, mais facilmente ela vai emergindo. Julgo que só é possível fazermos estas coisas porque existe uma extraordinária coerência interna na peça. Se, à primeira vista, parece que o compositor compôs a peça com liberdade total, uma análise detalhada mostra claramente que existem temas e várias estruturas que se repetem, que aparecem depois invertidas ou alongadas no tempo, etc. O compositor acabou por escolher um caminho dentro de um conjunto de caminhos «fractalmente» estruturados, entre os biliões de caminhos possíveis.
A música, como o mundo em geral, apresenta-se ao nosso cérebro como um fluxo caleidoscópico de impressões. O modo como a percepcionamos resulta do modo como a nossa mente o organiza. A nossa mente, na sua paixão para descobrir padrões nas coisas, parece usar uma estrutura estratificada assente nas nossas memórias e com camadas de níveis de abstracção cada vez maior que se vão sobrepondo umas às outras. No caminho da abstracção crescente, «descobre» os fonemas nas palavras, a sintaxe dentro das frases, os princípios da narrativa e as longas cadeias de pensamento racional. Quando sentimos algo de especial ao ouvir uma música, é porque emergiu na nossa mente um conjunto organizado e coerente de sons, com uma organização (uma sintaxe) coerente, resultando na sensação de que ela tem um significado. Provavelmente, issso acontece porque a estrutura da peça musical é de algum modo análoga à da linguagem. E a mente detecta a estrutura sintática dos sons e esta foi, por aprendizagem, associada a uma estrutura semântica. E, embora não existam palavras, há entoações, há pausas e existem estruturas que evocam perguntas e respostas que fazem emergir emoções em quem as ouve.
Talvez as coisas mais simples de entender ou apreender sejam as que podem ser definidas com base numa estrutura fractal. É a fractalidade que permite passar por analogia de um nível de detalhe para o outro, de um nível de menor abstracção para um outro mais abstracto. E talvez a simplicidade e a beleza tenham imenso que ver com a fractalidade.
Já alguma vez viu um defeito no modo como um gato se move? Algum erro de estética? Já viu alguma nuvem que tenha uma forma errada? No entanto, se desenharmos uma nuvem, podemos mais facilmente achar que a forma não está certa. Porque lhe falta qualquer coisa para parecer mesmo uma nuvem, embora não saibamos possivelmente o quê. A fractalidade será a «solução» para a beleza e consistência e coerência? Não sabemos como uma nuvem deve ser mas sabemos reconhecer uma que está correctamente desenhada. Talvez um bom tema para uma fuga ou para uma chaconne seja um que possa ser desenvolvido de um modo coerente baseado numa estrutura auto-semelhante. Então, a audição de uma peça musical pode fazer emergir espontaneamente estados mentais coerentes e facilmente interrelacionados, ou seja, pode fazer emergir ordem. Isso faz com que a sua apreensão se processe com grande facilidade, a vários níveis de detalhe e de um modo inconsciente espontâneo, ficando a nossa consciência mais liberta para procurar um seu possível significado a nível emotivo.
O que é apreendido de um modo espontâneo resulta em maior beleza? Acho que sim. Por exemplo, toda a gente entenderá como mais belo um sentimento «espontâneo» de amor, «irracional» e na sua essência incompreendido, do que um sentimento que resulta de uma escolha mais pragmática e racional de um companheiro ideal. O que «o coração» diz é o mais belo e o mais importante! E, se não houver um mínimo de atracção sexual, também ninguém aprovará esse amor. Porque essa parte «natural e espontânea» é fundamental! Talvez seja a espontaneidade associada à fractalidade que nos faz apreender mais facilmente as coisas com «o coração».
24 de abril de 2010
Estereótipos clássicos
Quem disse que existe um único e monolítico tipo de ouvinte de música clássica?
Na verdade todo leitor que já freqüentou um concerto ou já discutiu música alegremente em uma mesa de bar sabe que há várias abordagens diferentes para a apreciação musical, aqueles com maior experiência já até tendem a compartimentar esses ouvintes em grupos, com tipos comuns. Muito disso dá-se por origens e visões diferentes de música, mas eu não vim aqui para teorizar sobre isso e sim para falar de cada um dos grupos, qual Sterne no começo da Viagem Sentimental ao elencar os tipos de viajante.
O Sinfonista: A orquestra é seu instrumento preferido, ele não consegue conceber algo superior ao som da orquestra sinfônica teuto-romântica. A história da música é a história do desenvolvimento do repertório orquestral até sua sublimação em Beethoven/Brahms/Mahler/Strauss/Ravel e tudo que nega isso deve ser rejeitado com veemência. A palavra-chave é desenvolvimento temático e fluidez melódica. Instrumentos de época são uma abominação, uma ópera italiana uma heresia pelo desprezo dado à orquestra, Mozart e Haydn meros membros anteriores da evolução do gênero, seu interesse é limitado. As paixões de Bach e os oratórios de Handel têm árias demais. O resto do repertório barroco lhe é um mistério, música instrumental não lhe sabe bem, como um piano pode competir com a riqueza timbrística de uma orquestra?
Conhece orquestras de todos os grandes países do mundo. Sabe reconhecer o estilo de regência Toscaniniano, Furtwängleriano, sabe distinguir o som da Sinfônica de Boston do som da Sinfônica de Nova York, tem interesse em técnicas de gravação e alega preferir o decaimento sonoro de uma sala de orquestra ou de uma igreja às artificiais gravações de estúdio. Coleciona 40 gravações de cada sinfonia que conhece, e discute empolgadamente cada uma das versões de Bruckner.
Como reconhecer: Se em algum momento você vir alguém falando “eu prefiro a orquestração de Schoenberg do quarteto op. 25 de Brahms ao original”, ou “eu prefiro a orquestração de Stokowski ao original de Bach”, pode ficar tranqüilo, você está diante de um sinfonista puro-sangue. Não precisa ficar com medo, ele vai reconhecer e vai te atacar com infindáveis transcrições orquestrais, apenas reaja naturalmente e mude de assunto.
Prós: O mundo orquestral é vasto em gêneros e em compositores, abrange quase 200 anos com muita variedade e cor. Esse tipo de ouvinte desenvolve uma grande sensibilidade para andamentos e agógicas, além de grande refinamento na percepção sonora.
Contras: Se ele tem 200 anos à sua disposição, outros 600 são ignorados. Têm uma certa inflexibilidade com um estilo mais intimista. E tende a ignorar gêneros essenciais como a música de câmara. Gasta muito dinheiro com aparelhagem de som.
Disponibilidade: É um dos ouvintes mais numerosos e muito do repertório de gravadoras é dirigido para ele. Em relação a países, é maioria nos EUA e na Inglaterra, mas em geral é alta onde quer que haja uma sala de concerto. Sua origem vem desde a criação de salas de concerto públicas no classicismo.
Maior aliado: o instrumentista.
Maior oponente: o operário.
O Operário: Em teoria, o exato oposto. O que lhe interessa são as vozes, belíssimas vozes, e os dramas, os terríveis dramas sofridos por aquelas senhoras e senhores no palco. Verdi é seu herói, mas a partir daí há vários subgêneros, aquele com um gosto mais abrangente aprende a gostar de Mozart, Wagner, Janácek, entre outros. Mas um bom número se restringe ao repertório romântico italiano, Donizetti, Bellini, Puccini. A melodia é rainha, o drama o rei, e o resto é apenas conseqüência. Uma boa ópera é aquela que tem melodias memoráveis.
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CONSELHOS AOS JOVENS MÚSICOS por ROBERT SCHUMANN (1810-1856)
. A educação do ouvido é o que há de mais importante. Dedicar um tempo para discernir o som de cada umas das tonalidades. Conheça e identifique os sons da natureza e de todos os objetos ao seu alcance.
.Repita os exercícios em diversas velocidades. É como se a cada dia você falasse o abecedário sempre mais rápido. Saibam utilizar e organizar melhor o seu tempo.
.Aprendei as leis fundamentais da harmonia. Não ter medo da teoria, harmonia, contraponto. Essas matérias são importantes e na medida em que você vai aprendendo elas lhe serão muito úteis.
.Tocai sempre com alma e não interromper uma peça pela metade; vá sempre até o fim.
.Repasse sempre os compassos que você tiver dificuldades.
. Faça sempre muito bem e de forma expressiva as obras fáceis; isso será melhor que tocar de forma medíocre obras difíceis.
.Cuide para que seu instrumento esteja sempre em boas condições e afinado.
.É importante que você toque as obras, mas especialmente que você possa solfejar cada uma delas sem o auxílio do piano ou qualquer instrumento. A imaginação, o cérebro devem ser desenvolvidos ao ponto de reter e identificar as harmonias que são o apoio das melodias e também a melodia como ela é.
.Mesmo que você não tenha uma boa voz, cante à primeira vista sem o auxílio do piano ou qualquer outro instrumento, porque somente dessa forma seu ouvido musical se desenvolverá continuamente. Mas se você tiver uma boa voz, não hesite em cultivá-la, considerando que ela é um dos melhores dons do céu.
.Você deve ter a capacidade de ler toda a música e de compreendê-la apenas olhando para ela.
.Tocar sempre como se estivesse na presença de seu mestre.
.Quando receber uma partitura desconhecida, que você nunca viu, trate de decifrá-la integralmente à primeira vista apenas com o olhar, antes de utilizar um instrumento.
.Quando você estiver na sua jornada de estudos e você ficar cansado, é preferível não continuar. É preferível descansar a trabalhar sem prazer e sem concentração.
.Quando você já tiver idade avançada, não vos ocupeis de coisas banais. O tempo é precioso. Temos de viver cada momento e conhecer tudo o que é bom e importante.
. Nenhum homem deve se alimentar somente de bombons. A alimentação espiritual deve ser simples e substancial para o corpo. Os mestres devem nos fornecer alimentação abundante. Atentai a isso.
. Passagens difíceis e rápidas. A bravura não tem valor quando não a colocamos ao serviço das idéias.
. Não perca seu tempo com peças ruins, utilize suas energias para suprimi-las. Nunca toque, nem escute peças ruins, só se você for forçado a fazer isso.
. Não se preocupe em buscar apenas obras, como chamamos de “bravas” (maravilhosas e difíceis). Trate de produzir obras que você possa se exprimir e que possa reproduzir as idéias do compositor. Fazer coisas que não pode fazer podem levá-lo ao ridículo.
. Considere odioso: de trocar, adicionar ou de omitir qualquer coisa na obra de um mestre. Isso é uma grande injúria que fazeis à arte.
. Quando for escolher uma obra, dirija-se sempre a uma pessoa mais experiente e de maior idade que você, assim não perderá seu tempo.
. Vós devereis se aplicar constantemente ao estudo e ao conhecimento de obras importantes de autores renomados.
. Não vos deixais seduzir por aplausos obtidos por grandes virtuoses. Prefira o elogio de um artista ao elogio da multidão.
. Tudo o que surge pelo modismo, se vai da mesma maneira. Se você não se aplicar a fazer boa música e a realizar um trabalho de forma durável, quando envelhecer você se tornará insuportável para todo o mundo e não será uma pessoa estimada.
. Tocar em todo e qualquer local traz mais inconveniências que vantagens. Por isso leve em consideração seu público. Recuse firmemente tocar em qualquer lugar e tocar qualquer obra.
. Não negligencie a possibilidade de tocar com outras pessoas e fazer música de câmara. Este exercício contribui para motivar, dando destreza e brilhantismo.
. Se todos os violinistas fossem primeiros violinos, nunca se poderia organizar uma orquestra por isso respeite a posição de cada músico.
. Respeitai seu grupo, seu instrumentos de trabalho, mas não se considere como o único e superior a todos os outros. Pensai que há aqueles que também fazem um bom trabalho. Lembrai que há cantores, instrumentistas, corais e orquestras que são sempre chamados a interpretar o que há de mais sublime na música.
. À medida que você vai crescendo, aproxime-se de um mestre e mostre seu trabalho.
. Não se esqueça de tocar obras dos grandes mestres. Faça seu planejamento diário de estudos baseado nessas obras para que você se torne um bom músico.
.Junte-se a pessoas que saibam mais que você.
. Insira entre seu material de estudos a leitura de obras de escritores importantes. Passeie com certa freqüência no campo e em locais aprazíveis.
. Poderemos aprender muitos com cantores, mas não aceite todos os seus conselhos.
. Seja modesto, lembre que você não está sozinho no mundo. Lembre-se que você não descobriu, nem pensou em coisas que outros ainda não o tenham feito. Lembre-se que você tem um dom celestial e que precisa compartilhar com os demais.
. O estudo da história da música e a prática de obras primas de diferentes épocas, é melhor que a vaidade e a presunção.
. O livro de Anton Friedrich Justus Thibaut de 1824, Über Reinheit der Tonkunst (sobre a pureza da música) - deveria ser lido. (Livro este que propõe um estudo da obra de Palestrina, Victoria e Lassus).
ü Deveria sempre participar de um coro, especialmente cantando as partes intermediárias, esta prática contribuirá para que você se torne um bom músico.
. O bom músico não é aquele que fixa os olhos desesperados na partitura, ou aquele que só pode ler o que está tocando, curto de memória, mas o bom músico é aquele que pode ler além do que está tocando, aquele que pressente o que ainda vai chegar, aquele que não tem a música apenas na ponta dos dedos e sim na memória e no coração.
. Como se tornar um bom músico? As principais qualidades são um bom ouvido, uma perfeita concepção e o grande dom para a música. De qualquer forma, todas essas virtudes podem ser cultivadas e melhoradas. Você não se tornará um bom músico se você se fechar para o mundo e se dedicar exclusivamente ao estudo e à prática do mecanismo, mas sim multiplicando sua ligação com o mundo musical, particularmente com o coro e a orquestra.
. Tomar tempo para ouvir as vozes em todos os seus principais registros vocais. Participe de um coro, verifique onde se encontra o seu principal potencial vocal e em que outros pode encontrar efeitos de expressão e de doçura.
. Escutai as músicas nacionais, é uma mina enorme de belas melodias, que lhe abrirá a mente para as principais características dos diferentes povos.
. Aprenda a ler as diferentes claves, para que possa descobrir tesouros de outrora.
, Conhecei as características de cada instrumento. Acostumai-vos a reconhecer o timbre, a cor de cada um.
, Não negligenciais a escuta de boas óperas.
.Tocai as coisas antigas, mas não esqueçais ardentemente do novo. Não pré-jungueis nomes que ainda não são conhecidos.
. Não julgueis o mérito de uma composição após ter visto ou ouvido ela apenas uma vez. Aquilo que agrada logo de cara, nem sempre é o melhor. Muitas obras necessitam ser estudadas e muitas obras somente serão reconhecidas à medida que você vai ficando mais velho e experiente.
. Ao avaliar uma nova obra, observai se ela é uma obra de arte, ou se ela só tem o objetivo de divertir amadores. Defendei em primeiro lugar, mas não vos irriteis com os comentários dos outros.
. A melodia é o grito de guerra dos amadores. Não há música sem melodia, mas assegurai-vos que as pessoas entendam o real significado dessa palavra; são motivos fáceis a memorizar, rítmicas e agradáveis. No entanto pode parecer outra coisa, especialmente quando observamos as obras de Bach, Mozart e Beethoven, que são bem diferentes entre si. Por certo seu gosto pode mudar ao observar aquilo que se chama de melodia nas óperas italianas.
. Você poderá ter pequenas melodias que se seguem e se encadeiam entre si, o que dá um belo resultado, mas se uma dessas melodias sem instrumento algum chegar a seu espírito, é ainda melhor e devereis ficar ainda mais satisfeitos. É ai que o sentido interior da tonalidade deve ser despertado em você. Os dedos devem executar apenas o que sua memória concebeu.
. Se começais a compor, meditar, combinar, organizar idéias musicais em sua cabeça, não passe esta obra imediatamente para o piano antes de fixá-la em sua memória. Se a música surge de seu interior, se você consegue sentir, então o mesmo vai acontecer com os outros.
. Se o céu vos proveu de uma imaginação ativa, permanecereis durante horas solitárias sobre sua música ou sobre seu instrumento, como se vocês se enfeitiçassem; vocês respirarão e exalarão sua alma nas harmonias celestes e se sentirão, talvez, um tanto misteriosos, saindo de um círculo mágico que o domínio da harmonia vos será mais conhecido. Serão as horas mais felizes de sua vida. Cuidado para não se envolver de tal forma que essas forças e seu tempo não seja dedicado a fantasmas, por assim dizer. É somente pelo sinal preciso e uma escrita pronunciada que chegareis a dominar a forma e a desenvolver corretamente suas idéias. Quanto mais você escrever, menos improvisará.
. Adquira conhecimentos necessários para dirigir uma orquestra. Observai sempre os melhores regentes e pense em dirigir uma orquestra a partir de sua mente, assim podereis ter a conta correta de suas intenções e assim sabereis entender o que está acontecendo.
. Não negligencie o estudo da vida, assim como as outras artes e ciências.
. As leis da moral também regem a arte.
. Sua escalada será sempre mais alta, na medida de seu trabalho e perseverança.
. Com uma libra de ferro (medida de peso) podemos fabricar milhares de molas de relógio. O valor dessas peças é mil vezes mais caro que a peça de ferro que originou as molas. Empregai o fruto dessa libra que vós recebestes do céu.
ü Nada grande acontece na arte se não houver entusiasmo.
. A arte não traz riqueza. Sejam nobres artistas e o restante vos será dado durante todo o caminho.
. Vós somente compreendereis o espírito, quando forem mestres da forma.
. Somente um gênio pode compreender outro gênio.
. Alguém disse: o bom músico deveria poder, na primeira audição de uma obra orquestral, salvo algumas dificuldades da obra, ver de alguma forma a partitura diante de seus olhos espirituais. É a maior perfeição que pudemos imaginar.
. Nunca paramos de aprender.
Extraido do Album Für Die Jugend Kinderszenen de Robert Schumann
Alguém disse: o músico ruim é o que ouve o que foi tocado; o músico regular ouve o que está sendo tocado; e o bom músico ouve o que ainda vai ser tocado.
A Orquestra
A orquestra é uma das mais belas formas artísticas de nossa civilização. Através dela é possível vislumbrar a engrenagem de dezenas ou centenas de vozes entoando num mesmo sentido a música escrita numa partitura. Assim, num conjunto orquestral se encerram valores de uma grande sabedoria intrínseca: A responsabilidade de cada um em gerar harmonia para um conjunto.
Orquestra sinfônica ou filarmônica não especificam nenhuma diferença no que toca à constituição instrumental ou ao papel da mesma, podem revelar-se úteis para distinguir orquestras de uma mesma localidade. As duas se diferem apenas na sua natureza, pois as filarmônicas são orquestras mantidas por grupos de admiradores, instituição privada enquanto as sinfônicas são orquestras mantidas pela Instituição pública. Sinceramente, hoje não se pode dizer que no Brasil haja uma orquestra filarmônica, pois todas, sem exceção, dependem do auxílio seja da iniciativa privada, seja dos governos municipal, estadual ou federal.
Uma orquestra terá, tipicamente, mais de oitenta músicos e em alguns casos mais de cem, embora em atuação esse número seja ajustado em função da obra reproduzida. Em alguns casos, uma orquestra pode incluir músico free lance para tocar instrumentos específicos que não compõem o conjunto oficial: por exemplo, nem todas as orquestras têm um harpista ou saxofonista.
Uma orquestra dispõe cinco classes de instrumentos:
cordas (violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, harpas, piano)
madeiras (flautas, flautins, oboés, corne-inglês, clarinetes, clarinete baixo, fagotes, contrafagotes)
metais (trompetes, trombones, trompas, tubas)
instrumentos de percussão (tímpanos, triângulo, caixas, bumbo, pratos, carrilhão sinfónico, etc.)
instrumentos de teclas (piano, cravo, órgão)
Entre estes grupos de instrumentos e em cada um deles existe uma hierarquia implicitamente aceita. Cada secção (ou grupo de instrumentos) provê um solista (ou principal) que será o protagonista dos solos e da liderança do grupo. Os violinos são divididos em dois grupos: primeiros violinos e segundos violinos — o que pressupõe dois principais. O principal dos primeiros violinos é designado como chefe não só de toda a secção de cordas mas de toda a orquestra, subordinado unicamente ao maestro, esse violinista é denominado spalla. Nos metais, o primeiro trompetista é o líder, enquanto que nas madeiras esse papel cabe ao primeiro oboísta.
Atualmente, as orquestras são conduzidas por um maestro, embora não fosse assim com as orquestras originais, sendo a condução responsabilidade do líder de orquestra como nas músicas barrocas.
Tantos instrumentos, tanta variedade de timbres, tantas funções, e tudo soando com perfeição. Cada homem, não importa o que toque, desempenhando da melhor maneira possível, individualmente, sua função para que o conjunto seja belo, e represente com maestria a Harmonia do Universo.
A palavra orquestra tem origem grega, e significa "lugar para dançar". Embora possa parecer estranho, devemos levar em conta que para o grego o conceito de teatro era bem diferente, e significava ao mesmo tempo música, poesia, dramaturgia e dança. Nas encenações de tragédias, a orquestra era a parte do palco que fazia fronteira com o anfiteatro, que por sua vez continha o público. Assim, por razões mais relacionadas à disposição física do que propriamente pelo seu significado intrínseco, é que a civilização ocidental adotou o nome de orquestra ao conjunto instrumental que se colocava próximo ao anfiteatro. O uso de tal denominação começou justamente nos primórdios da renascença, quando nasceu a ópera, e a encenação das óperas necessitava de um conjunto instrumental, situado entre o palco da ação e o anfiteatro. Daí o termo.
A passagem da Idade média para a Renascença representou para a música um período de intensas e ricas transformações, entre elas a quebra do monopólio clerical na música, em que a escrita musical era restrita a apenas certos domínios da igreja; podia então ser apreendida e compartilhada igualmente por qualquer um que assim quisesse, fosse ele nobre ou plebeu. Assim, valores musicais antes confinados tornaram-se públicos, dando início a um grande processo de criação e expansão de gêneros e formas musicais, advindas da mescla entre tradições populares orais e a escrita musical eclesiástica. Não que não houvesse música popular antes; sempre houve, mas com pouca ou nenhuma mistura de gêneros e influências.
A Ópera representou a primeira união de tendências (ver o texto sobre ópera), a reunião de temas místicos e heróicos (retomada e releitura do ideal da tragédia grega) postos num espetáculo que já podia ser chamado 'multimídia', de amplo alcance, apreciado pelas mais diferentes culturas e classes sociais. Assim, pela primeira vez foi preciso que os músicos pensassem numa distribuição instrumental mais complexa que a habitual.
Antes da ópera, a música 'oficial' nas cortes era religiosa, cuja formação instrumental resumia-se a um órgão que acompanhava cantores, solistas ou coros. Ainda que o órgão era já uma sofisticação, pois que no séc. XI nenhum instrumento poderia acompanhar as vozes. Eventuais menestréis e companhias itinerantes animavam os festejos feudais com aquilo que seria a música popular, que então usavam instrumentos muito peculiares, muitos dos quais evoluíram aos instrumentos modernos.
A formação instrumental diversa foi uma necessidade que a ópera pela primeira vez materializou; e como não existia uma tradição instrumental naquela música antes oficial, a mescla de timbres foi o primeiro grande desafio dos compositores. No início, não havia um padrão para a distribuição dos instrumentos e nem mesmo algo que determinasse a quantidade e a diversidade deles. As primeira óperas eram orquestradas com uma variedade estranhíssima de timbres e o uso constante deles acabou por mostrar, na prática, a forma mais eficiente de equilibrar uma massa instrumental diversificada.
A título de exemplo, uma lista de instrumentos típica da Renascença, para a ópera de Claudio Monteverdi, Orfeo (1607):
2 cravos
2 violas contrabaixo (equivalente ao contrabaixo acústico moderno)
Grupo de 10 cordas (provavelmente os violinos, violas e cellos)
1 harpa dupla
2 violinos piccolo
2 alaúdes-baixos
2 órgãos portáteis de tubos de madeira
3 violas da gamba
4 trombones
1 órgão de palheta
2 trombetas (o moderno trompete)
1 flauta doce
1 clarino (trompete agudo)
Temos claramente um exemplo de uma mistura de timbres bastante incomum; diríamos até moderna, apesar de muitos destes instrumentos não mais existirem atualmente, ainda que possam ser substituídos por timbres similares ou reconstituídos por lutieres (artesão que fabrica e conserta instrumentos) especializados.
A formação timbrística projetada pela ópera despertou o interesse pela música puramente instrumental, e que também começou a ser cultivada pela aristocracia e nobreza, aparecendo nestas classes a figura do mecenas, ou o patrocinador da arte. Um pouco da mescla da música popular com a música escrita - que era justamente o diferencial entre ambas - tornou a música erudita, de gosto refinado por conter elementos simples ao gosto do público mas de discurso elaborado, de lógica mais complexa e caráter nobre. O gênero instrumental foi um dos mais cultivados no período Barroco, que explorou largamente diversas combinações instrumentais, assim como vocais na ópera.
típica orquestra barroca, por volta de 1700. Os músicos se reuniam em volta do cravo contínuo em salões reais
No barroco, a variedade dos instrumentos, considerando apenas a música puramente instrumental, diminuiu sistematicamente, até o mínimo possível. Em parte para poder ser apreciada em salões dos palácios, que possuíam alguns entraves acústicos, e em parte por que não havia necessidade de muito volume sonoro, uma vez que o espaço e o público eram restritos. A ciência musical incluía a acústica, e os compositores conheciam suas leis, ainda que intuitivamente.
Assim, temos a seguinte distribuição de elementos: (O exemplo é da Suíte para Orquestra no.4 de J. S. Bach(1685-1750)):
2 oboés
2 fagotes
2 trompetes
2 tímpanos
cordas e contínuo (acompanhamento do cravo)
Entretanto, não havia nenhum padrão que definisse exatamente quais instrumentos seriam designados para cada obra. O único consenso eram as cordas. Em quase toda a música barroca a formação instrumental tinha como imprescindível a presença de uma seção de violinos, violas, violoncellos ou violas da gamba e por vezes um violone, ou rabecão, hoje conhecido por contrabaixo. Foi muito conhecida por esta época, a orquestra do rei Luis XIV da França, comandada por Jean-Baptiste Lully (1632-1687). Era chamada "os 24 violinos do Rei", e contava por vezes com o apoio de uma outra orquestra de 10 oboés e 2 fagotes.
A escolha dos instrumentos variava segundo a disponibilidade da orquestra ou conjunto que iria tocá-la (a partir da encomenda do mecenas), das condições acústicas, e algumas vezes até do pedido expresso do Rei ou nobre que encomendou a obra. Os compositores só tinham liberdade de escrita quando escreviam por conta própria.
O compositor alemão Georg Friedrich Haendel (1685-1759), por exemplo, teve algumas encomendas do rei da Inglaterra que o fizeram pensar seriamente na maneira de orquestrar sua obra: pediu-lhe o Rei uma música que fosse tocada enquanto queimavam os reais fogos de artifício em comemoração pelo fim da Guerra da Sucessão Austríaca. O problema é que o barulho dos fogos encobriria o som de uma orquestra, ao que acrescenta o fato de que seria ao ar livre. Haendel não teve dúvida, orquestrou sua obra, a Royal Fireworks Music, com uma imensa quantidade de instrumentos de metal (trompetes, trompas e trombones) e percussão, para fazer o som mais audível possível, além das madeiras habituais (oboés, flautas e fagotes) mas sem cordas! Haendel não agüentou e fez uma versão para salas fechadas, desta vez com número menor de instrumentos e com a seção de cordas completa.
Por essa época, passagem do séc. XVII para o XVIII, era muito comum o acompanhamento do cravo, instrumento de teclado muito suave e sem dinâmica, para reforçar a harmonia produzindo harpejos e floreios em cima da melodia. Esta prática, chamada de contínuo, ou cravo contínuo, estendeu-se até por volta de 1780.
Mas ainda em meados do séc. XVIII, uma significativa mudança de ordem estética renovou alguns conceitos do estilo musical na Europa de maneira muito abrangente. Devido à evolução no estilo, na instrumentação e nas produções das óperas, que na época eram as referências musicais mais importantes, a orquestra ganhou um equilíbrio diferente, que também foi reproduzido nas salas de concertos dos palácios e casas da nobreza. Era a música Clássica. Muitos instrumentos passaram a ser exigidos com mais freqüência que outros, o que acabou por determinar a formação clássica de uma orquestra, dividida entre cordas (violinos, violas, violoncelos e contrabaixos), madeiras (flauta, oboé, clarinete e fagote), metais (trompa, trompete) e percussão (tímpanos) e que acabou por ser disposta da seguinte maneira:
8 ou 10 primeiros violinos
6 ou 8 segundos violinos
4 ou 6 violas
4 ou 6 violoncelos
2 ou 4 contrabaixos
2 flautas
2 oboés
2 clarinetes
2 fagotes
2 trompas
2 trompetes
2 tímpanos
Orquestra de Câmara de Dresden, numa formação típica do classicismo
Essa formação advém de uma necessidade expressiva com conflui com a mudança de estilo (do barroco para o clássico, que é menos rebuscado, mais objetivo e temático), a disposição nas partes instrumentais da ópera (abertura e intermezzos) e também pelo início de construções apropriadas para aproveitar todo o potencial acústico dos instrumentos. O salão dos palácios dá lugar às salas de concerto, ainda salões adaptados, mas já pensando num fim exclusivo de apreciação musical (antes, nos salões, os nobres conversavem a comiam enquanto os músicos tocavam - Mozart foi um dos primeiros a se rebelar contra isso e recusava-se a tocar para quem não estivesse atento à música).
E, pela primeira vez, apesar de variantes mínimas, foi possível estabelecer um padrão comum à disposição instrumental, o que permitia uma mobilidade muito maior de obras, ou seja, uma obra poderia ser tocada sem perdas por qualquer orquestra da Europa. Esse padrão é normalmente atribuído a Joseph Haydn (1732-1809), chamado também o 'pai da Sinfonia' (escreveu 104 delas), pois, embora não tenha sido ele propriamente seu inventor (e sim um conjunto de compositores, incluindo ele, a formar um padrão de equilíbrio), ele foi o maior responsável pelo desenvolvimento e consolidação deste estilo, enquanto gênero e forma. Podemos citar outro compositor, menos conhecido, mas que também contribuiu para que esta formação se consolidasse, por seu equilíbrio perfeito e combinação harmoniosa: Johann Stamitz (1717-1757), que pôde desenvolver essa formação graças à direção de uma orquestra muito famosa em sua época, a Orquestra de Mannheim. Este conjunto era considerado o melhor de toda a Europa, e referência para todas as demais.
Frontispício da 1a. edição da Sinfonia no. 31 em ré 'Paris' de Mozart. Notar a típica orquestração clássica de instrumentos aos pares
Todas as últimas sinfonias de Haydn, as primeiras de Schubert e Beethoven e de uma série de outros pré-românticos, como Mendelssohn, utilizam-se desta formação. Mas existem muitas variantes. Mozart, por exemplo, não usa o clarinete nem os tímpanos em muitas de suas sinfonias. São casos isolados, entretanto. O fim do período clássico já aponta para as tendências românticas, pois na medida em que instrumentos novos iam sendo criados, ou antigos eram aperfeiçoados, os compositores imediatamente absorviam estas mudanças e utilizavam todos os recursos disponíveis em suas obras.
O Romantismo foi um movimento estético cuja origem é didaticamente atribuída a Ludwig van Beethoven (1770-1827), por acrescentar à música valores e caracteres antes nunca pensados em termos musicais. O aumento da expressividade através de dinâmicas contrastantes, ritmos e timbres marcados e definidos, além de uma sutileza narrativa ímpar, fizeram de Beethoven o porta-voz de um novo pensamento musical. Do ponto de vista da orquestra, o romantismo foi o responsável direto pela saída da música das cortes reais e salões aristocráticos para os teatros e as salas de concerto, acessíveis a um número muito maior de pessoas, nobres e plebeus. Com isso, o pequeno espaço dos palácios antes destinado à uma pequena formação clássica, deu lugar agora a grandes teatros, que não só precisavam mas também pediam uma potência sonora maior. Beethoven começou, pela própria necessidade desta potência, a acrescentar instrumentos: a orquestra romântica começou aumentando as cordas e os metais: 14 primeiros violinos, 12 segundos, 8 violas, 8 cellos e 6 contrabaixos, além de 4 trompas ao invés de duas. O romantismo foi o grande responsável, ao acrescentar a dimensão dramática à música, por desvincular totalmente a música instrumental da ópera, fazendo delas duas instâncias muito diferentes. Foi justamente a partir do final do classicismo que ambas tomam rumos diferentes.
No romantismo, outros compositores, compartilhando de idéias similares ou mesmo pensando em expressar uma nova dimensão musical - a potência sonora - como recurso estético, partiram em busca de novas combinações instrumentais.
Foi então que, por volta de 1830, o compositor francês Hector Berlioz (1803-1869) escreveu o primeiro estudo sistemático de como se devia compor uma massa orquestral que suprisse a necessidade sonora do romantismo. O Tratado de Instrumentação e Orquestração de Berlioz ainda hoje é uma fonte riquíssima de consulta timbrística, tanto para estudar as possibilidades individuais de cada instrumento (que ele chamou instrumentação) quanto seu conjunto (a orquestração, propriamente). Para Berlioz, a orquestra ideal deveria ter nada menos que:
21 primeiros violinos
20 segundos violinos
18 violas
15 violoncelos
10 contrabaixos
4 harpas
4 flautas
3 oboés
3 clarinetes
4 fagotes
4 trompas
4 trompetes
3 trombones e 1 trombone-baixo
1 tuba
8 tímpanos
1 bumbo
1 par de pratos
Hector Berlioz (1803-1869)
Ele ainda sugere uma outra orquestra para fins festivos, que começa com 120 violinos (!), e inclui 30 harpas e 30 pianos de cauda. Bom, essa orquestra nem mesmo ele foi louco o suficiente para exigir, se bem que tenha chegado bem próximo em seu Réquiem op.5. Sim, Berlioz é o culpado de toda a extravagância das grandes orquestrações de Wagner, Mahler e Richard Strauss no pós- romantismo. Mas seus esforços e delírios foram muito bem embasados, tanto na teoria quanto na prática, onde construiu obras de impressionante equilíbrio orquestral, considerando o tamanho do contingente exigido. Os princípios por ele enunciados do equilíbrio e uso da grande orquestra lhe valeram o título de "Pai da Orquestração" e fundador da orquestra moderna. Aquilo a que hoje entendemos por "orquestra" é criação dele, e todos os conjuntos instrumentais anteriores, clássicos, barrocos e renascentistas, são por isso, 'música de câmara'.
Muitos fatores influenciaram tais recursos estéticos: o limiar entre o séc. XVIII e XIX foi a era das grandes revoluções, onde se inserem grandes movimentos científicos e sociais, como a Revolução industrial inglesa e a Revolução burguesa na França. A filosofia contava com nomes de peso, como Kant e os iluministas, Rousseau, Diderot, Voltaire, a literatura renova-se com Goethe, Schiller, Hoffmann, pouco mais tarde Tolstoi. A marca da expressividade de caráter, como se a música se tornasse um personagem, a saída para grandes salas de concerto, antes só destinadas à ópera, fizeram da música romântica um enorme gênero, de imensas proporções, variantes, estilos, particularidades.
Em termos de orquestração, o romantismo se valeu principalmente de avanços tecnológicos: Antes os trompetes e as trompas eram 'naturais', ou seja, só emitiam uma série de notas de acordo com sua construção, os harmônicos da nota fundamental. Com a invenção das chaves que possibilitavam a mudança do tamanho do tubo, estes instrumentos puderam tocar todas as notas, e tornaram-se porta-vozes de novas combinações melódicas. Beethoven já havia incluído o trombone, mas as tubas, grandes instrumentos graves de metal, antes destinados às bandas militares (ao ar livre era necessário um instrumento grave de grande potência sonora), passaram também a ser incluídos na orquestra. Todos os primeiros românticos, como Schubert, Schumann e Weber, procuraram seguir o modelo orquestral de Beethoven.
Richard Wagner (1813-1883) precisou esperar a música se desvincular da ópera para poder uni-las novamente no ideal estético grego, a obra de arte total. Para isso, desenvolveu o drama musical, espécie de ópera cuja narrativa é sinfônica, e a orquestra um personagem, tanto quanto os cantores. Valendo-se das experiências de Berlioz, quem muito admirava, imaginou novas possibilidades de timbres baseado no ideal dramático que precisava representar. Para tanto, precisou ele mesmo projetar e mandar construir instrumentos específicos, variações de trompas e tubas, para poder representar suas idéias - extravagantes e geniais. Sua obra mais conhecida, o Anel dos Nibelungos, utiliza-se de um grande número de trompas (8), além de tubas tenor, 3 a 4 trompetes, 4 trombones, tubas contra-baixo, e 6 harpas.
Wagner
A partir de Wagner a orquestra nunca mais será a mesma. O romantismo a esta altura, por volta de 1840, já possui muitas facções. A música antes restrita ao eixo Alemanha - França - Itália é descoberta por compositores de diversos países, que unem sua tradição folclórica à escrita erudita, iniciando a escola Nacionalista. O primeiro representante foi Fréderic Chopin(1810-1849) na Polônia, e seguiu-se Franz Liszt na Hungria (inventor do poema sinfônico), e em vários outros países do norte e leste europeu: na Tchecoslováquia, Smetana e Dvórak, na Rússia, Tchaikovsky, e o 'grupo dos cinco', formado por Rimsky-Korsakov, Mussorgsky, Borodin, Balakirev e Cui. Na Noruega, Edvard Grieg, na Finlândia, Jean Sibelius.
A Alemanha reagiu com um compositor neo-clássico, cujas idéias musicais eram materializadas por orquestras muito menores que as wagnerianas e suas variantes: Johannes Brahms (1833-1897) foi um caso à parte, pois conseguiu ser extremamente romântico sem nenhum exagero na potência sonora. Apesar de usar orquestras maiores que as de Beethoven, em comparação com Wagner a orquestra de Brahms é clássica, reagindo a excessos que considerava musicalmente inócuos.
A morte de Wagner representou também, principalmente na Alemanha e Áustria, o fim do romantismo. Apesar deste movimento esteticamente se manter em outros lugares, se expandindo para países latinos e para a América, em seu berço ele já apresentava sinais de saturação. Wagner levou a narrativa sinfônica a graus nunca antes imaginados de intensidade e duração, assim como de potência sonora. Os compositores que o seguiram diretamente foram Anton Bruckner (1824-1896) Gustav Mahler (1860-1911), e Richard Strauss (1864-1949). Eles representam o pós-romantismo, fase a que coube a responsabilidade de trazer toda a bagagem de uma imensa tradição musical para o século XX, e dar condições para o desenvolvimento da música moderna. Tais compositores exploraram todas as possibilidades combinatórias instrumentais possíveis neste universo, desde o domínio das formas acadêmicas à ruptura e combinações inéditas de timbres, sendo considerados os ápices de toda a tradição orquestral da música no ocidente.
A título de comparação, vamos analisar a orquestração de 4 obras, duas clássicas já bastante avançadas, e duas representantes deste período pós-romântico:
Beethoven: 3a. Sinfonia
Beethoven: 9a. Sinfonia
Mahler: 2a. Sinfonia
R. Strauss: Eine Alpensinfonie
2 flautas
2 oboés
2 clarinetes em Sib
2 fagotes
3 trompas
2 trompetes
2 tímpanos
Cordas (Violinos I, II, violas, cellos e baixos)
1 piccolo
2 flautas
2 oboés
2 clarinetes
2 fagotes
1 contrafagote
4 trompas
2 trompetes
3 trombones
2 tímpanos
triângulo
pratos
bombo
Cordas (Violinos I, II, violas, cellos e baixos)
Soprano solo
Contralto solo
Tenor solo
Baixo solo
Coro Misto (SCTB)
4 flautas (alternando com 4 piccolos)
4 oboés (alternando com 2 cornes-ingleses)
3 clarinetes em Sib (alternando com 1 clarinete-baixo)
2 clarinetes em Mib
3 fagotes
1 contrafagote
10 trompas
8-10 trompetes
4 trombones
1 tuba contrabaixo
7 tímpanos
2 pares de pratos
2 triângulos
caixa clara (se possível mais de uma)
Glockenspiel
3 sinos
2 tam-tams
2 bombos
2 harpas
órgão
Cordas (Violinos I, II, violas, cello, baixos com dó grave, todos em maior número possível)
Soprano solo
Contralto solo
Coro Misto (SCTB)
4 flautas (alter. com 2 piccolos)
3 oboés (alt. com 1 corne-inglês)
1 Heckelphone
1 Clarinete em Mib
2 Clarinetes em Sib
1 clarinete-baixo
3 fagotes
1 contra fagote
4 trompas
4 tubas tenor (alternando com 4 trompas)
4 trompetes
4 trombones
2 tubas
2 harpas
órgão
máquina de vento
máquina de trovão
Glockenspiel
pratos
Bombo
caixa clara
triângulo
sinos de vacas
gongo
celesta
8 tímpanos
18 violinos 1,
16 violinos 2,
12 violas,
10 cellos
8 contrabaixos
Fora do palco:
12 trompas
2 trompetes
2 trombones
Caricatura satirizando as extravagâncias sinfônicas de Richard Strauss (no topo, regendo)
Basta ver a tabela de orquestração para ver em que pé de excentricidade o pós-romantismo alcançou. Richard Strauss (que nada tem em comum com o Johann Strauss das valsas) foi o mais criticado por suas exigências, sendo freqüentemente atacado pela crítica por sua obra `oca´e maquiada pela potência sonora. Mas atualmente, não se pode negar a extrema habilidade de Strauss em extrair de um gigantesco contingente instrumental uma sonoridade pura e nítida.
Já os russos, Borodin, Mussorgsky, Tchaikovskye Rimsky-Korsakov (autor de outro tratado de orquestração, posterior ao de Berlioz, mais sintético e menos extravagante), preferem a percussão mais variada, com instrumentos mais exóticos. Há de se mencionar também o talento nato de Tchaikovsky para distribuir timbres de suas melodias, fazendo de suas obras verdadeiras aulas de orquestração(segundo Shostakovich).
Os franceses Maurice Ravel (1875-1937) e Claude Debussy (1862-1918) também seguem a premissa russa. Ravel é também um caso à parte, por que embora não se utilize de orquestras tão grandes quanto as alemãs, era um orquestrador extremamente hábil, que extraía resultados magníficos de um conjunto bastante sintético. Sua maior virtude e originalidade no uso de timbres era a combinação rítmica. Ravel trabalhava os timbres da orquestra ritmicamente, e com isso acrescentava uma diversidade de combinações tão grande que temos a impressão de que suas orquestras são maiores do que realmente são, apesar de grandes. Stravinsky, por essa habilidade minuciosa, apelidou-o de 'relojoeiro suíço' da orquestração.
É importante salientar que o padrão romântico normalmente descrito como sendo o número correto de instrumentos a ser utilizados é raramente satisfeito. Isso se dá por que, principalmente no romantismo e nos períodos posteriores, as obras eram orquestradas em função das necessidades "pessoais" de cada obra. O compositor deveria ter apenas o bom senso de, após o estudo dos fundamentos acústicos e da formação clássica da orquestra, equilibrar corretamente as potências e os timbres para obter o melhor resultado previsto possível. A orquestra romântica tem, portanto, uma grande diversidade de formações, pois não há um número padronizado de instrumentos, variando segundo o gosto e a necessidade do compositor.
Entretanto podemos, de maneira didática, dividir a orquestra romântica em 4 formações:
Orquestra reduzida: São remanescentes da formação clássica padronizada, apesar de incorporarem recursos extras mais próximos do modelo de Beethoven. Possuem de 60 a 80 músicos e em geral são formadas por madeiras a 2 (2 flautas, 2 clarinetes, 2 oboés e 2 fagotes), 2 ou 4 trompas, por vezes 1 ou 2 trombones ou ainda um metal grave (tuba ou o antigo ophicleide, que já não existe mais), além das cordas por vezes mais numerosas e percussão variada (em geral par de tímpanos, triângulo ou pratos). Ex. : Sinfonias de Mendelssohn (3a. 'Escocesa' e 4a. 'Italiana'), últimas sinfonias de Schubert e concertos de Brahms, Schumann, Mendelssohn.
Orquestra Standard: Formação mais comum, visto que correspondem aos ideais românticos de diversidade timbrística, principalmente no acréscimo de instrumentos de percussão e metais: madeiras a 2, por vezes com inclusão de flautim e contra fagote, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, 1 tuba, mais cordas (incluindo por vezes a harpa) e percussão variada, como prato, triângulo, bumbo, caixa clara, e tímpanos. Em geral são orquestras que variam de 80 a 90 músicos. Ex.: 4 Sinfonias de Brahms, 6 Sinfonias de Tchaikovsky, primeiras 4 sinfonias de Bruckner, Sinfonias de Dvórak, aberturas e Sinfonia Fantástica de Berlioz, poemas sinfônicos de Liszt, 'La Mer' de Debussy, 'Boléro' de Ravel
Grandes Orquestrações: São privilégio de grandes orquestradores, que conseguem unir a fluidez melódica com a ciência de exploração de timbres sem que se perca o fio narrativo. Poucos conseguiram com maestria. Exigem mais de 100 elementos para sua execução e costumam se valer de propriedades acústicas específicas destas formações, obtendo assim efeitos sonoros extraordinários, catarse estética. Há enorme perda desta catarse quando uma obra destas é ouvida em locais inadequados acusticamente ou em gravações de qualidade duvidosa.
A grande orquestração é composta de 100 a 120 elementos e tem em geral: madeiras a 4 ou a 5, por vezes incluindo clarinetes-baixos, requinta e saxofones, além dos habituais flautins e contra fagotes. Além disso, dispõe de 6 a 8 trompas (em raras ocasiões mais), de 3 a 6 trompetes, 4 trombones e 1 ou 2 tubas. Ao enorme contingente de cordas acrescenta-se 1 ou 2 harpas, por vezes órgão e uma grande quantidade de percussão, incluindo os habituais pratos, triângulos e bumbo, mas com 4 a 8 tímpanos, celesta, carrilhão, tan-tan, glockenspiel, xilofone, caixa clara, máquina de vento e mais o que a imaginação mandar.
Há obras neste quesito que também incluem timbres vocais, não somente solistas mas também grandes coros . Ex. : Sinfonias de Mahler: 1a.('Titan'), 2a. ('Ressurreição'), 3a., 5a., 6a., 7a, e 9a.; Poemas tonais de Richard Strauss: 'Also Sprach Zarathustra', 'Don Juan', 'Till Eulenspiegel', 'Uma vida de Herói'; Holst: 'Os Planetas'; Stravinsky: 'A Sagração da Primavera', Wagner: 'O Anel dos Nibelungos', 'Tristão e Isolda'; Ravel: 'Daphnis et Chloé'
Imensas Orquestrações: São raras e muito caras. Em geral utilizam-se de mais de 150 músicos (podendo chegar até a 200) mais grandes coros ou solistas vocais. Produzem efeitos sonoros monstruosos em salas de concerto, mas raramente têm méritos musicais superiores às grandes orquestrações. Na maioria das vezes, apenas preenchem quesitos de massa sonora, por vezes exageradamente. Possuem a mesma formação das Grandes orquestrações, mas com a número de executantes aumentado (Ao invés de 6 trompas, 12; ao invés de 4 flautas, 6).
Ex.: 'Réquiem' de Berlioz (exige, por exemplo, 16 tímpanos); 'Eine Alpensinfonie' de Richard Strauss (exige, por exemplo, 20 trompas), 'Gurrelieder' de Schoenberg, Oitava Sinfonia de Mahler ('dos Mil'), Sinfonia 'Gótica' de Havergal Brian.
Pode-se ainda classificar uma orquestra para fins festivos, orquestras especiais feitas sob encomenda para execuções destinada a grandes multidões, em geral ao ar livre, e comemoram algum fato extraordinário. Possuem versões reduzidas para orquestra Standard para serem executadas nas salas de concerto.
Ex.: Sinfonia Fúnebre e Triunfal de Berlioz; Abertura 1812 de Tchaikovsky
Assim nasceu uma nova forma de classificar determinados compositores, segundo a potência sonora. Muitas vezes esse quesito é confundido com habilidade em orquestrar. São coisas distintas; uma coisa é escrever boa música para poucos ou muitos instrumentos, outra coisa é escrever música ruim para poucos ou muitos instrumentos. Uma boa maneira de ilustrar isso é citar Brahms, que, caso se aventurasse a compor para orquestras tais como as de Wagner ou Mahler, certamente teria grande parte de seu material semântico riquíssimo, a clareza e objetividade das idéias, prejudicado pelo excesso de timbres. Mas, felizmente, como Brahms possuía um bom senso musical inegável, soube tirar da formação orquestral clássica resultados de expressividade incomparáveis. Do outro lado, citam-se os chamados "grandes orquestradores", que tinham um talento para escrever música com números elevados de instrumentos sem perderem-se no emaranhado harmônico, melódico e timbrístico que tal contingente normalmente causaria aos desprovidos deste talento. Estes mestres da orquestração foram Berlioz, Wagner, Liszt, Tchaikovsky, Mahler, Richard Strauss (talvez o melhor deles), Ravel, Elgar, Rimsky-Korsakov e Stravinsky. Hoje em dia este critério pode ser revogado, porque, afinal de contas, Debussy, ou até mesmo Brahms, que nunca usaram orquestras muito grandes, foram extremamente hábeis no uso contido de instrumentos. Sob este aspecto, não ficam nada a dever aos grandes orquestradores. O próprio Beethoven pode ser considerado um grande orquestrador para os padrões clássicos. Mas, no quesito potência sonora, tal classificação ainda pode ser de alguma valia.
A suntuosa Orquestra Filarmônica de Berlim, atualmente regida por Simon Rattle, é considerada a melhor orquestra do mundo, por sua excelência técnica e sonoridade poderosa, percorrendo com segurança e desenvoltura todas as nuances dinâmicas de uma partitura
Após o período romântico e pós-romântico (a passagem do séc.XIX para o XX), a chamada música moderna entrou em cena. O que havia sido a ópera na formação e desenvolvimento da orquestra no séc. XVI e XVII, foi no séc. XX feito através do Ballet. A formação instrumental, com exceção dos compositores que já vinham da tradição anterior (ou os que a absorveram totalmente), se deu com as encomendas que grandes companhias de ballet fizeram aos compositores modernos. A mais conhecida e famosa foi a Companhia de Ballets russos de Sergei Diaghilev, para quem Igor Stravinskyescreveu O Pássaro de Fogo, Petruschka e A sagração da Primavera; Ravel Daphnis et Chloé, Debussy Jeux, El sombrero de Tres Picos de Manuel de Falla, Parade de Erik Satie, entre outros. O mundo da coreografia, foi, portanto, uma das principais correntes que nortearam os padrões da orquestra no início do séc. XX. Os padrões, de um grande número de instrumentos segundo a tradição pós-romântica, foi naturalmente caindo, primeiro pelo enorme custo de grandes produções (já não havia mais o antigo mecenas, nobre ou imperador), e depois pela necessidade estética de adentrar novos universos nos campos da harmonia e timbres que não fazia mais necessária a intensidade sonora em termos de volume.
Com algumas exceções, a tendência geral da música, principalmente depois da Primeira Guerra, foi a de conter o número de instrumentos. Escreveu-se muito para formação clássica e ainda mais para formações camerísticas. Com a chegada das estéticas neo-vanguardistas do pós- Segunda Guerra, como música concreta, aleatória, eletrônica, minimalista, etc., a tendência foi manter a orquestra resumida. Aliás, muito pouca música para este tipo de formação foi produzida, se compararmos com a produção anterior. Os compositores exploraram formações completamente diferentes, como por exemplo Carl Orff, que apesar da famosa Carmina Burana ser para Grande Orquestra, escreveu uma estranhíssima obra chamada 'Antigonae', baseada em Sófocles, sem harmonia nem melodia, apenas ritmo, feito por uma orquestra de pianos, harpas, oboés e percussão. A busca por efeitos inusitados, mescla de timbres ao sintetizador e preparação acústica específica de instrumentos (como John Cage e sua sonata para 'Piano Preparado'), fizeram basicamente os objetivos da música do século XX no que diz respeito ao timbre. Mas, neste aspecto, já estamos longe do que representa o termo 'orquestração' propriamente.
Orquestração, portanto, é uma arte que pode ser aplicada a qualquer formação instrumental diversa e que conta com um único critério determinante em sua composição: o Equilíbrio . Assim como a forma-sonata representa o equilíbrio estrutural, arquitetônico da obra, a orquestração representa, para a obra sinfônica, - me permitam a comparação culinária - o tempero e a maneira de preparar o prato, que, no caso, corresponde ao discurso musical. Cada instrumento tem uma personalidade intrínseca e seu conjunto sonoro é uma reunião determinada de ingredientes misturados para alcançar um objetivo palatável e digerível. Considerando os ingredientes como o material semântico, a melodia, harmonia, ritmo e andamento, a orquestração é o modo de preparar e o acréscimo das especiarias que darão gosto ao discurso musical. Um bom chef de cozinha sabe variar os temperos e a maneira de misturar a massa para obter diferentes sabores. Este é o orquestrador.
Voltando ao planeta Terra, concluo adicionando mais um pequeno detalhe sobre o equilíbrio instrumental: Sua disposição física no palco. O posicionamento destes instrumentos num palco de salas de concerto também é um fator relevante para o equilíbrio da massa sonora produzida, e deste modo, a formação clássica também se ocupou de padronizar sua disposição, considerando, ainda que intuitivamente por parte de muitos compositores, leis físicas elementares: instrumentos de maior ressonância acústica vão ficando para trás, e de menor ressonância, para frente, indo progressivamente dos mais suaves aos mais fortes. Por essa razão é que as cordas (violinos I e II, violas, cellos e contrabaixos) encontram-se no primeiro plano do palco, seguidos pelas madeiras (flautas, oboés, clarinetes e fagotes), metais (trompas, trompetes, trombones e tuba - esta seção é anedoticamente chamada de "cozinha" da orquestra), e lá no fundo, a artilharia da percussão, que não precisa fazer muito esforço para produzir um barulho considerável. Este esquema retrata bem a disposição mais comum numa orquestra moderna, apesar de, a critério do maestro, ela possa mudar:
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A desumana exigência de civilidade nos concertos – Soluções?
Imponência que assusta - Franz Welser-Most conduzindo a Cleveland Orchestra no Knight Concert Hall em foto de Roger Mastroianni
Será que já existe um livro sobre a história do público de concerto? Há alguns estudos mais focalizados, como Listening in Paris: A Cultural History de James H. Johnson, After the Golden Age: Romantic Pianism and Modern Performance de Kenneth Hamilton, Highbrow/Lowbrow: The Emergence of Cultural Hierarchy in America de Lawrence Levine, The Great Transformation of Musical Taste: Concert Programming from Haydn to Brahms de William Weber ou mesmo Norbert Elias e suas obras sobre a sociedade de corte e processo civilizador. A partir desse tipo de historiografia, é possível observar como em algum momento a performance musical aderiu a uma cerimônia bastante rígida e formal nas salas de concerto comparada, por exemplo, ao tipo de audiência musical promovida durante o século XVIII ou XIX na Europa. Pois se hoje um concerto comum de uma orquestra sinfônica prevê um ritual de momentos para aplaudir, ficar em silêncio, tossir, levantar e mesmo uma ordem de entrada e saída dos músicos – tudo desempenhado com o confinamento do público às suas respectivas poltronas -, em 1780 concertos em Paris ou em Viena não eram necessariamente abertos ao público em geral, mas reuniões aristocráticas em que mesmo a montagem de uma ópera em um teatro seria apenas um dos atrativos de um ambiente em que se conversava, se visitava os amigos nos seus camarotes, se jogava xadrez, se namorava nos últimos balcões, etc. (e teatros suburbanos, se não eram fechados ou aristocráticos, não diferiam nesse aspecto). Isto já foi muito bem abordado no post “Uma nota sobre as boas maneiras em concerto“ do Randau e pelo excelente artigo “Why So Serious?: How the classical concert took shape“ do Alex Ross para a The New Yorker, e é frequentemente explicado como: 1) parte de um processo civilizador da história contemporânea e suas etiquetas, 2) resultado de um sincretismo social dos teatros e de um embotado decoro pequeno-burguês em busca de status ou 3) no seu extremo, como parte de um processo de sacralização, de canonização e de engajamento com a ideia do sublime na concepção da música e do ambiente propício para se apreciá-la.
Mas o exame dessa história só faz alguns problemas surgirem com ainda maior pertinência, pois podemos passar a nos perguntar: o padrão atual de um concerto de música e as suas etiquetas se concilia bem com o comportamento do público? Vejamos uns casos reais.
Aplausos
Em dezembro do ano passado Bruno Gripp relatou os aplausos efusivos durante um concerto da OSB no meio do último movimento da Nona Sinfonia de Beethoven, após a exposição do tema da Ode à Alegria, em que uma cadência deceptiva não podia sugerir que a música de fato havia terminado. O problema do comportamento do público em concertos é sempre uma oportunidade de se repensar a recepção musical desse público, como foi feito no post, mas também pode lançar consciência sobre a própria cerimônia do concerto. Por isso sempre que o público aplaude “na hora errada”, seja no meio ou especialmente entre movimentos de uma obra que ainda não acabou, o instinto de lhe imputar uma “culpa” é, por exemplo, revisto pelos otimistas: diz-se que provavelmente se trata de um público novo aos concertos, ainda não iniciado à sua etiqueta, e que a presença de gente nova é sempre bom sinal. Continue lendo...
Estrutura fractal na música de Johann Sebastian Bach
Estrutura global
Muitos consideram que o tema inicial consiste nas duas frases de quatro tempos iniciais (8 compassos ), a segunda respondendo à primeira, e que há cerca de 30 variações com a estrutura de 8 compassos e alguns elementos órfãos de transição com 4 compassos (como a variação de transição nos compassos 33-36, que segue a progressão de acordes Rém, Lá, Solm, Sibdim).
Podemos harmonizar os primeiros 24 compassos deste modo:
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 A/C# Dm
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 Em7/5- A Dm («resposta»)
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 A Dm
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 Em7/5- A Dm («resposta»)
Dm Gm6 A7/C# Gº-A-D7-G C#º A4-Dm6 A7 Dm
Dm Gm6 A7/C# Gº-F#º-D7-G C#º/A A4 A7 Dm («resposta»)
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 Em7/5- A Dm («resposta»)
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 A Dm
Dm Gm6 A7/C# Dm Bb Gm6 Em7/5- A Dm («resposta»)
Dm Gm6 A7/C# Gº-A-D7-G C#º A4-Dm6 A7 Dm
Dm Gm6 A7/C# Gº-F#º-D7-G C#º/A A4 A7 Dm («resposta»)
No entanto, como há uma linha de baixo, omnipresente em toda a composição, com uma duração de 4 compassos, podemos considerar que o tema consiste nos primeiros 4 compassos e que cada grupo de 4 compassos é uma variação. O tema inicial consistirá então numa progressão de acordes, com uma duração de 4 compassos, aproximadamente equivalente a: I IV V I VI IV V I; ou seja, Rém, Solm, Lá7, Rém , Sib, Solm, Lá, Rém. Nesse caso, a peça fica com uma estrutura binária simétrica global:
||| Tema | 30 variações || Tema | 30 variações || Tema, variação cadenciada|||
A pauta da Chaconne como estaria registada no papel de uma pianola,
correspondendo à representação logarítmica das frequências presentes em cada momento
correspondendo à representação logarítmica das frequências presentes em cada momento
Curiosamente nas Variações Goldberg também há este padrão de 30 variações.
Nota: Depois do tema, há 30 variações (120 compassos, acabando no compasso 124). Volta então o Tema e uma variação ainda em tom menor (8 compassos, acabando no compasso 132).Depois, há 19 variações em tom maior (76 compassos, acabando no compasso 208) e 10 variações em tom menor (40 compassos, acabando no compasso 248). O tema regressa em (249-252) e a peça acaba com uma variação cadenciada extra em (253-257).
Aumentando o detalhe da análise da estrutura global, revela-se a estrutura mais fina de cada um dos grupos de 30 variações, representada na figura que se segue:
No primeiro grupo de 30 variações, há 20 (6+ 8+ 4+ 2) em que o tema inicial é exaustivamente explorado por mudanças melódicas, rítmicas e harmónicas e a trama musical se vai adensando progressivamente por diminuições cada vez mais trepidantes e depois 10 em que, depois de algumas tiradas de contraste, surge um episódio mais lânguido de repouso, sempre em harpejos, que termina em jogos violinísticos muito «à italiana» que levam a um grandioso regresso ao tema inicial.
No segundo grupo de 30 variações, há 20 em que se dá modulação para a tonalidade maior, através de uma cascata de dissonâncias calculadas, e em que se atinge um desenvolvimento sonoro poderoso e 10 em ré menor em que se entra numa meditação nostálgica, quase queixosa, que se anima pouco a pouco com soluços que aparecem sob a forma de um lá da dominante incansavelmente intercalado ao agudo no desenvolvimento da frase. Nas 20 primeiras variações deste grupo, as primeiras 13 são um coral luminoso que sobe as oitavas num «crescendo» e se transforma numa dança saltitante e ingénua que se amplifica progressivamente e as últimas 7 uma explosiva marcha triunfal cuja coda animada reconduz à tonalidade menor. Nas últimas 10, as primeiras 5 são mais nostálgicas e quase queixosas (há uma primeira parte de 2 variações mais nostálgicas seguidas de 3 que já o são um pouco menos) e as últimas 5 são pouco a pouco mais animadas e levam depressa a uma grandiosa reexposição do tema na sua forma original (há uma primeira parte de 3 variações mais soluçantes seguidas de 2 com harpejos e tiradas que levam à reexposição do tema, que se alarga em apoteose até ao uníssono final).
Esta estrutura não é excepcional. A maioria das composições estão estruturadas de um modo semelhante e a sua subdivisão forma motivos e outras unidades mais pequenas que ecoam estruturas binárias auto-semelhantes que por sua vez se podem subdividir, de um modo semelhante, em outras. É a auto-semelhança característica das figuras fractais que exibem estruturas geométricas que se repetem em vários tamanhos. A semelhança não é exacta mas apenas estatística, como na maioria dos objectos naturais.
A estrutura, de Chaconne é descrita por vezes como constando de 3 partes, com um clímax com o epicentro na segunda parte, e constando de 5 temas independentes, relativamente curtos e constantemente repetidos e variados, que são tratados sequencialmente (não entrelaçados ou progressivamente construídos como seria numa sonata).
Estrutura fractal
A Chaconne da Partita nº2 de Bach é uma peça que demora uns 15 minutos a tocar. Nunca se repete mas é possível tocá-la de memória (fi-lo quase diariamente durante vários anos da minha vida). Mas não tenho - é claro! - uma memória «fotográfica» completa dela. É uma memória que vai sendo evocada e «reconstruida» passo a passo. Quanto menos consciente estiver, mais facilmente ela vai emergindo. Julgo que só é possível fazermos estas coisas porque existe uma extraordinária coerência interna na peça. Se, à primeira vista, parece que o compositor compôs a peça com liberdade total, uma análise detalhada mostra claramente que existem temas e várias estruturas que se repetem, que aparecem depois invertidas ou alongadas no tempo, etc. O compositor acabou por escolher um caminho dentro de um conjunto de caminhos «fractalmente» estruturados, entre os biliões de caminhos possíveis.
A música, como o mundo em geral, apresenta-se ao nosso cérebro como um fluxo caleidoscópico de impressões. O modo como a percepcionamos resulta do modo como a nossa mente o organiza. A nossa mente, na sua paixão para descobrir padrões nas coisas, parece usar uma estrutura estratificada assente nas nossas memórias e com camadas de níveis de abstracção cada vez maior que se vão sobrepondo umas às outras. No caminho da abstracção crescente, «descobre» os fonemas nas palavras, a sintaxe dentro das frases, os princípios da narrativa e as longas cadeias de pensamento racional. Quando sentimos algo de especial ao ouvir uma música, é porque emergiu na nossa mente um conjunto organizado e coerente de sons, com uma organização (uma sintaxe) coerente, resultando na sensação de que ela tem um significado. Provavelmente, issso acontece porque a estrutura da peça musical é de algum modo análoga à da linguagem. E a mente detecta a estrutura sintática dos sons e esta foi, por aprendizagem, associada a uma estrutura semântica. E, embora não existam palavras, há entoações, há pausas e existem estruturas que evocam perguntas e respostas que fazem emergir emoções em quem as ouve.
Talvez as coisas mais simples de entender ou apreender sejam as que podem ser definidas com base numa estrutura fractal. É a fractalidade que permite passar por analogia de um nível de detalhe para o outro, de um nível de menor abstracção para um outro mais abstracto. E talvez a simplicidade e a beleza tenham imenso que ver com a fractalidade.
Já alguma vez viu um defeito no modo como um gato se move? Algum erro de estética? Já viu alguma nuvem que tenha uma forma errada? No entanto, se desenharmos uma nuvem, podemos mais facilmente achar que a forma não está certa. Porque lhe falta qualquer coisa para parecer mesmo uma nuvem, embora não saibamos possivelmente o quê. A fractalidade será a «solução» para a beleza e consistência e coerência? Não sabemos como uma nuvem deve ser mas sabemos reconhecer uma que está correctamente desenhada. Talvez um bom tema para uma fuga ou para uma chaconne seja um que possa ser desenvolvido de um modo coerente baseado numa estrutura auto-semelhante. Então, a audição de uma peça musical pode fazer emergir espontaneamente estados mentais coerentes e facilmente interrelacionados, ou seja, pode fazer emergir ordem. Isso faz com que a sua apreensão se processe com grande facilidade, a vários níveis de detalhe e de um modo inconsciente espontâneo, ficando a nossa consciência mais liberta para procurar um seu possível significado a nível emotivo.
O que é apreendido de um modo espontâneo resulta em maior beleza? Acho que sim. Por exemplo, toda a gente entenderá como mais belo um sentimento «espontâneo» de amor, «irracional» e na sua essência incompreendido, do que um sentimento que resulta de uma escolha mais pragmática e racional de um companheiro ideal. O que «o coração» diz é o mais belo e o mais importante! E, se não houver um mínimo de atracção sexual, também ninguém aprovará esse amor. Porque essa parte «natural e espontânea» é fundamental! Talvez seja a espontaneidade associada à fractalidade que nos faz apreender mais facilmente as coisas com «o coração».
24 de abril de 2010
Estereótipos clássicos
Quem disse que existe um único e monolítico tipo de ouvinte de música clássica?
Na verdade todo leitor que já freqüentou um concerto ou já discutiu música alegremente em uma mesa de bar sabe que há várias abordagens diferentes para a apreciação musical, aqueles com maior experiência já até tendem a compartimentar esses ouvintes em grupos, com tipos comuns. Muito disso dá-se por origens e visões diferentes de música, mas eu não vim aqui para teorizar sobre isso e sim para falar de cada um dos grupos, qual Sterne no começo da Viagem Sentimental ao elencar os tipos de viajante.
O Sinfonista: A orquestra é seu instrumento preferido, ele não consegue conceber algo superior ao som da orquestra sinfônica teuto-romântica. A história da música é a história do desenvolvimento do repertório orquestral até sua sublimação em Beethoven/Brahms/Mahler/Strauss/Ravel e tudo que nega isso deve ser rejeitado com veemência. A palavra-chave é desenvolvimento temático e fluidez melódica. Instrumentos de época são uma abominação, uma ópera italiana uma heresia pelo desprezo dado à orquestra, Mozart e Haydn meros membros anteriores da evolução do gênero, seu interesse é limitado. As paixões de Bach e os oratórios de Handel têm árias demais. O resto do repertório barroco lhe é um mistério, música instrumental não lhe sabe bem, como um piano pode competir com a riqueza timbrística de uma orquestra?
Conhece orquestras de todos os grandes países do mundo. Sabe reconhecer o estilo de regência Toscaniniano, Furtwängleriano, sabe distinguir o som da Sinfônica de Boston do som da Sinfônica de Nova York, tem interesse em técnicas de gravação e alega preferir o decaimento sonoro de uma sala de orquestra ou de uma igreja às artificiais gravações de estúdio. Coleciona 40 gravações de cada sinfonia que conhece, e discute empolgadamente cada uma das versões de Bruckner.
Como reconhecer: Se em algum momento você vir alguém falando “eu prefiro a orquestração de Schoenberg do quarteto op. 25 de Brahms ao original”, ou “eu prefiro a orquestração de Stokowski ao original de Bach”, pode ficar tranqüilo, você está diante de um sinfonista puro-sangue. Não precisa ficar com medo, ele vai reconhecer e vai te atacar com infindáveis transcrições orquestrais, apenas reaja naturalmente e mude de assunto.
Prós: O mundo orquestral é vasto em gêneros e em compositores, abrange quase 200 anos com muita variedade e cor. Esse tipo de ouvinte desenvolve uma grande sensibilidade para andamentos e agógicas, além de grande refinamento na percepção sonora.
Contras: Se ele tem 200 anos à sua disposição, outros 600 são ignorados. Têm uma certa inflexibilidade com um estilo mais intimista. E tende a ignorar gêneros essenciais como a música de câmara. Gasta muito dinheiro com aparelhagem de som.
Disponibilidade: É um dos ouvintes mais numerosos e muito do repertório de gravadoras é dirigido para ele. Em relação a países, é maioria nos EUA e na Inglaterra, mas em geral é alta onde quer que haja uma sala de concerto. Sua origem vem desde a criação de salas de concerto públicas no classicismo.
Maior aliado: o instrumentista.
Maior oponente: o operário.
O Operário: Em teoria, o exato oposto. O que lhe interessa são as vozes, belíssimas vozes, e os dramas, os terríveis dramas sofridos por aquelas senhoras e senhores no palco. Verdi é seu herói, mas a partir daí há vários subgêneros, aquele com um gosto mais abrangente aprende a gostar de Mozart, Wagner, Janácek, entre outros. Mas um bom número se restringe ao repertório romântico italiano, Donizetti, Bellini, Puccini. A melodia é rainha, o drama o rei, e o resto é apenas conseqüência. Uma boa ópera é aquela que tem melodias memoráveis.
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CONSELHOS AOS JOVENS MÚSICOS por ROBERT SCHUMANN (1810-1856)
. A educação do ouvido é o que há de mais importante. Dedicar um tempo para discernir o som de cada umas das tonalidades. Conheça e identifique os sons da natureza e de todos os objetos ao seu alcance.
.Repita os exercícios em diversas velocidades. É como se a cada dia você falasse o abecedário sempre mais rápido. Saibam utilizar e organizar melhor o seu tempo.
.Aprendei as leis fundamentais da harmonia. Não ter medo da teoria, harmonia, contraponto. Essas matérias são importantes e na medida em que você vai aprendendo elas lhe serão muito úteis.
.Tocai sempre com alma e não interromper uma peça pela metade; vá sempre até o fim.
.Repasse sempre os compassos que você tiver dificuldades.
. Faça sempre muito bem e de forma expressiva as obras fáceis; isso será melhor que tocar de forma medíocre obras difíceis.
.Cuide para que seu instrumento esteja sempre em boas condições e afinado.
.É importante que você toque as obras, mas especialmente que você possa solfejar cada uma delas sem o auxílio do piano ou qualquer instrumento. A imaginação, o cérebro devem ser desenvolvidos ao ponto de reter e identificar as harmonias que são o apoio das melodias e também a melodia como ela é.
.Mesmo que você não tenha uma boa voz, cante à primeira vista sem o auxílio do piano ou qualquer outro instrumento, porque somente dessa forma seu ouvido musical se desenvolverá continuamente. Mas se você tiver uma boa voz, não hesite em cultivá-la, considerando que ela é um dos melhores dons do céu.
.Você deve ter a capacidade de ler toda a música e de compreendê-la apenas olhando para ela.
.Tocar sempre como se estivesse na presença de seu mestre.
.Quando receber uma partitura desconhecida, que você nunca viu, trate de decifrá-la integralmente à primeira vista apenas com o olhar, antes de utilizar um instrumento.
.Quando você estiver na sua jornada de estudos e você ficar cansado, é preferível não continuar. É preferível descansar a trabalhar sem prazer e sem concentração.
.Quando você já tiver idade avançada, não vos ocupeis de coisas banais. O tempo é precioso. Temos de viver cada momento e conhecer tudo o que é bom e importante.
. Nenhum homem deve se alimentar somente de bombons. A alimentação espiritual deve ser simples e substancial para o corpo. Os mestres devem nos fornecer alimentação abundante. Atentai a isso.
. Passagens difíceis e rápidas. A bravura não tem valor quando não a colocamos ao serviço das idéias.
. Não perca seu tempo com peças ruins, utilize suas energias para suprimi-las. Nunca toque, nem escute peças ruins, só se você for forçado a fazer isso.
. Não se preocupe em buscar apenas obras, como chamamos de “bravas” (maravilhosas e difíceis). Trate de produzir obras que você possa se exprimir e que possa reproduzir as idéias do compositor. Fazer coisas que não pode fazer podem levá-lo ao ridículo.
. Considere odioso: de trocar, adicionar ou de omitir qualquer coisa na obra de um mestre. Isso é uma grande injúria que fazeis à arte.
. Quando for escolher uma obra, dirija-se sempre a uma pessoa mais experiente e de maior idade que você, assim não perderá seu tempo.
. Vós devereis se aplicar constantemente ao estudo e ao conhecimento de obras importantes de autores renomados.
. Não vos deixais seduzir por aplausos obtidos por grandes virtuoses. Prefira o elogio de um artista ao elogio da multidão.
. Tudo o que surge pelo modismo, se vai da mesma maneira. Se você não se aplicar a fazer boa música e a realizar um trabalho de forma durável, quando envelhecer você se tornará insuportável para todo o mundo e não será uma pessoa estimada.
. Tocar em todo e qualquer local traz mais inconveniências que vantagens. Por isso leve em consideração seu público. Recuse firmemente tocar em qualquer lugar e tocar qualquer obra.
. Não negligencie a possibilidade de tocar com outras pessoas e fazer música de câmara. Este exercício contribui para motivar, dando destreza e brilhantismo.
. Se todos os violinistas fossem primeiros violinos, nunca se poderia organizar uma orquestra por isso respeite a posição de cada músico.
. Respeitai seu grupo, seu instrumentos de trabalho, mas não se considere como o único e superior a todos os outros. Pensai que há aqueles que também fazem um bom trabalho. Lembrai que há cantores, instrumentistas, corais e orquestras que são sempre chamados a interpretar o que há de mais sublime na música.
. À medida que você vai crescendo, aproxime-se de um mestre e mostre seu trabalho.
. Não se esqueça de tocar obras dos grandes mestres. Faça seu planejamento diário de estudos baseado nessas obras para que você se torne um bom músico.
.Junte-se a pessoas que saibam mais que você.
. Insira entre seu material de estudos a leitura de obras de escritores importantes. Passeie com certa freqüência no campo e em locais aprazíveis.
. Poderemos aprender muitos com cantores, mas não aceite todos os seus conselhos.
. Seja modesto, lembre que você não está sozinho no mundo. Lembre-se que você não descobriu, nem pensou em coisas que outros ainda não o tenham feito. Lembre-se que você tem um dom celestial e que precisa compartilhar com os demais.
. O estudo da história da música e a prática de obras primas de diferentes épocas, é melhor que a vaidade e a presunção.
. O livro de Anton Friedrich Justus Thibaut de 1824, Über Reinheit der Tonkunst (sobre a pureza da música) - deveria ser lido. (Livro este que propõe um estudo da obra de Palestrina, Victoria e Lassus).
ü Deveria sempre participar de um coro, especialmente cantando as partes intermediárias, esta prática contribuirá para que você se torne um bom músico.
. O bom músico não é aquele que fixa os olhos desesperados na partitura, ou aquele que só pode ler o que está tocando, curto de memória, mas o bom músico é aquele que pode ler além do que está tocando, aquele que pressente o que ainda vai chegar, aquele que não tem a música apenas na ponta dos dedos e sim na memória e no coração.
. Como se tornar um bom músico? As principais qualidades são um bom ouvido, uma perfeita concepção e o grande dom para a música. De qualquer forma, todas essas virtudes podem ser cultivadas e melhoradas. Você não se tornará um bom músico se você se fechar para o mundo e se dedicar exclusivamente ao estudo e à prática do mecanismo, mas sim multiplicando sua ligação com o mundo musical, particularmente com o coro e a orquestra.
. Tomar tempo para ouvir as vozes em todos os seus principais registros vocais. Participe de um coro, verifique onde se encontra o seu principal potencial vocal e em que outros pode encontrar efeitos de expressão e de doçura.
. Escutai as músicas nacionais, é uma mina enorme de belas melodias, que lhe abrirá a mente para as principais características dos diferentes povos.
. Aprenda a ler as diferentes claves, para que possa descobrir tesouros de outrora.
, Conhecei as características de cada instrumento. Acostumai-vos a reconhecer o timbre, a cor de cada um.
, Não negligenciais a escuta de boas óperas.
.Tocai as coisas antigas, mas não esqueçais ardentemente do novo. Não pré-jungueis nomes que ainda não são conhecidos.
. Não julgueis o mérito de uma composição após ter visto ou ouvido ela apenas uma vez. Aquilo que agrada logo de cara, nem sempre é o melhor. Muitas obras necessitam ser estudadas e muitas obras somente serão reconhecidas à medida que você vai ficando mais velho e experiente.
. Ao avaliar uma nova obra, observai se ela é uma obra de arte, ou se ela só tem o objetivo de divertir amadores. Defendei em primeiro lugar, mas não vos irriteis com os comentários dos outros.
. A melodia é o grito de guerra dos amadores. Não há música sem melodia, mas assegurai-vos que as pessoas entendam o real significado dessa palavra; são motivos fáceis a memorizar, rítmicas e agradáveis. No entanto pode parecer outra coisa, especialmente quando observamos as obras de Bach, Mozart e Beethoven, que são bem diferentes entre si. Por certo seu gosto pode mudar ao observar aquilo que se chama de melodia nas óperas italianas.
. Você poderá ter pequenas melodias que se seguem e se encadeiam entre si, o que dá um belo resultado, mas se uma dessas melodias sem instrumento algum chegar a seu espírito, é ainda melhor e devereis ficar ainda mais satisfeitos. É ai que o sentido interior da tonalidade deve ser despertado em você. Os dedos devem executar apenas o que sua memória concebeu.
. Se começais a compor, meditar, combinar, organizar idéias musicais em sua cabeça, não passe esta obra imediatamente para o piano antes de fixá-la em sua memória. Se a música surge de seu interior, se você consegue sentir, então o mesmo vai acontecer com os outros.
. Se o céu vos proveu de uma imaginação ativa, permanecereis durante horas solitárias sobre sua música ou sobre seu instrumento, como se vocês se enfeitiçassem; vocês respirarão e exalarão sua alma nas harmonias celestes e se sentirão, talvez, um tanto misteriosos, saindo de um círculo mágico que o domínio da harmonia vos será mais conhecido. Serão as horas mais felizes de sua vida. Cuidado para não se envolver de tal forma que essas forças e seu tempo não seja dedicado a fantasmas, por assim dizer. É somente pelo sinal preciso e uma escrita pronunciada que chegareis a dominar a forma e a desenvolver corretamente suas idéias. Quanto mais você escrever, menos improvisará.
. Adquira conhecimentos necessários para dirigir uma orquestra. Observai sempre os melhores regentes e pense em dirigir uma orquestra a partir de sua mente, assim podereis ter a conta correta de suas intenções e assim sabereis entender o que está acontecendo.
. Não negligencie o estudo da vida, assim como as outras artes e ciências.
. As leis da moral também regem a arte.
. Sua escalada será sempre mais alta, na medida de seu trabalho e perseverança.
. Com uma libra de ferro (medida de peso) podemos fabricar milhares de molas de relógio. O valor dessas peças é mil vezes mais caro que a peça de ferro que originou as molas. Empregai o fruto dessa libra que vós recebestes do céu.
ü Nada grande acontece na arte se não houver entusiasmo.
. A arte não traz riqueza. Sejam nobres artistas e o restante vos será dado durante todo o caminho.
. Vós somente compreendereis o espírito, quando forem mestres da forma.
. Somente um gênio pode compreender outro gênio.
. Alguém disse: o bom músico deveria poder, na primeira audição de uma obra orquestral, salvo algumas dificuldades da obra, ver de alguma forma a partitura diante de seus olhos espirituais. É a maior perfeição que pudemos imaginar.
. Nunca paramos de aprender.
Extraido do Album Für Die Jugend Kinderszenen de Robert Schumann
Alguém disse: o músico ruim é o que ouve o que foi tocado; o músico regular ouve o que está sendo tocado; e o bom músico ouve o que ainda vai ser tocado.
A Orquestra
A orquestra é uma das mais belas formas artísticas de nossa civilização. Através dela é possível vislumbrar a engrenagem de dezenas ou centenas de vozes entoando num mesmo sentido a música escrita numa partitura. Assim, num conjunto orquestral se encerram valores de uma grande sabedoria intrínseca: A responsabilidade de cada um em gerar harmonia para um conjunto.
Uma orquestra dispõe cinco classes de instrumentos:
cordas (violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, harpas, piano)
madeiras (flautas, flautins, oboés, corne-inglês, clarinetes, clarinete baixo, fagotes, contrafagotes)
metais (trompetes, trombones, trompas, tubas)
instrumentos de percussão (tímpanos, triângulo, caixas, bumbo, pratos, carrilhão sinfónico, etc.)
instrumentos de teclas (piano, cravo, órgão)
Entre estes grupos de instrumentos e em cada um deles existe uma hierarquia implicitamente aceita. Cada secção (ou grupo de instrumentos) provê um solista (ou principal) que será o protagonista dos solos e da liderança do grupo. Os violinos são divididos em dois grupos: primeiros violinos e segundos violinos — o que pressupõe dois principais. O principal dos primeiros violinos é designado como chefe não só de toda a secção de cordas mas de toda a orquestra, subordinado unicamente ao maestro, esse violinista é denominado spalla. Nos metais, o primeiro trompetista é o líder, enquanto que nas madeiras esse papel cabe ao primeiro oboísta.
Atualmente, as orquestras são conduzidas por um maestro, embora não fosse assim com as orquestras originais, sendo a condução responsabilidade do líder de orquestra como nas músicas barrocas.
A Ópera representou a primeira união de tendências (ver o texto sobre ópera), a reunião de temas místicos e heróicos (retomada e releitura do ideal da tragédia grega) postos num espetáculo que já podia ser chamado 'multimídia', de amplo alcance, apreciado pelas mais diferentes culturas e classes sociais. Assim, pela primeira vez foi preciso que os músicos pensassem numa distribuição instrumental mais complexa que a habitual.
A formação instrumental diversa foi uma necessidade que a ópera pela primeira vez materializou; e como não existia uma tradição instrumental naquela música antes oficial, a mescla de timbres foi o primeiro grande desafio dos compositores. No início, não havia um padrão para a distribuição dos instrumentos e nem mesmo algo que determinasse a quantidade e a diversidade deles. As primeira óperas eram orquestradas com uma variedade estranhíssima de timbres e o uso constante deles acabou por mostrar, na prática, a forma mais eficiente de equilibrar uma massa instrumental diversificada.
2 cravos
2 violas contrabaixo (equivalente ao contrabaixo acústico moderno)
Grupo de 10 cordas (provavelmente os violinos, violas e cellos)
1 harpa dupla
2 violinos piccolo
2 alaúdes-baixos
2 órgãos portáteis de tubos de madeira
3 violas da gamba
4 trombones
1 órgão de palheta
2 trombetas (o moderno trompete)
1 flauta doce
1 clarino (trompete agudo)
Temos claramente um exemplo de uma mistura de timbres bastante incomum; diríamos até moderna, apesar de muitos destes instrumentos não mais existirem atualmente, ainda que possam ser substituídos por timbres similares ou reconstituídos por lutieres (artesão que fabrica e conserta instrumentos) especializados.
A formação timbrística projetada pela ópera despertou o interesse pela música puramente instrumental, e que também começou a ser cultivada pela aristocracia e nobreza, aparecendo nestas classes a figura do mecenas, ou o patrocinador da arte. Um pouco da mescla da música popular com a música escrita - que era justamente o diferencial entre ambas - tornou a música erudita, de gosto refinado por conter elementos simples ao gosto do público mas de discurso elaborado, de lógica mais complexa e caráter nobre. O gênero instrumental foi um dos mais cultivados no período Barroco, que explorou largamente diversas combinações instrumentais, assim como vocais na ópera.
típica orquestra barroca, por volta de 1700. Os músicos se reuniam em volta do cravo contínuo em salões reais |
No barroco, a variedade dos instrumentos, considerando apenas a música puramente instrumental, diminuiu sistematicamente, até o mínimo possível. Em parte para poder ser apreciada em salões dos palácios, que possuíam alguns entraves acústicos, e em parte por que não havia necessidade de muito volume sonoro, uma vez que o espaço e o público eram restritos. A ciência musical incluía a acústica, e os compositores conheciam suas leis, ainda que intuitivamente.
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Assim, temos a seguinte distribuição de elementos: (O exemplo é da Suíte para Orquestra no.4 de J. S. Bach(1685-1750)):
2 oboés
2 fagotes
2 trompetes
2 tímpanos
cordas e contínuo (acompanhamento do cravo)
Entretanto, não havia nenhum padrão que definisse exatamente quais instrumentos seriam designados para cada obra. O único consenso eram as cordas. Em quase toda a música barroca a formação instrumental tinha como imprescindível a presença de uma seção de violinos, violas, violoncellos ou violas da gamba e por vezes um violone, ou rabecão, hoje conhecido por contrabaixo. Foi muito conhecida por esta época, a orquestra do rei Luis XIV da França, comandada por Jean-Baptiste Lully (1632-1687). Era chamada "os 24 violinos do Rei", e contava por vezes com o apoio de uma outra orquestra de 10 oboés e 2 fagotes.
O compositor alemão Georg Friedrich Haendel (1685-1759), por exemplo, teve algumas encomendas do rei da Inglaterra que o fizeram pensar seriamente na maneira de orquestrar sua obra: pediu-lhe o Rei uma música que fosse tocada enquanto queimavam os reais fogos de artifício em comemoração pelo fim da Guerra da Sucessão Austríaca. O problema é que o barulho dos fogos encobriria o som de uma orquestra, ao que acrescenta o fato de que seria ao ar livre. Haendel não teve dúvida, orquestrou sua obra, a Royal Fireworks Music, com uma imensa quantidade de instrumentos de metal (trompetes, trompas e trombones) e percussão, para fazer o som mais audível possível, além das madeiras habituais (oboés, flautas e fagotes) mas sem cordas! Haendel não agüentou e fez uma versão para salas fechadas, desta vez com número menor de instrumentos e com a seção de cordas completa.
Por essa época, passagem do séc. XVII para o XVIII, era muito comum o acompanhamento do cravo, instrumento de teclado muito suave e sem dinâmica, para reforçar a harmonia produzindo harpejos e floreios em cima da melodia. Esta prática, chamada de contínuo, ou cravo contínuo, estendeu-se até por volta de 1780.
Mas ainda em meados do séc. XVIII, uma significativa mudança de ordem estética renovou alguns conceitos do estilo musical na Europa de maneira muito abrangente. Devido à evolução no estilo, na instrumentação e nas produções das óperas, que na época eram as referências musicais mais importantes, a orquestra ganhou um equilíbrio diferente, que também foi reproduzido nas salas de concertos dos palácios e casas da nobreza. Era a música Clássica. Muitos instrumentos passaram a ser exigidos com mais freqüência que outros, o que acabou por determinar a formação clássica de uma orquestra, dividida entre cordas (violinos, violas, violoncelos e contrabaixos), madeiras (flauta, oboé, clarinete e fagote), metais (trompa, trompete) e percussão (tímpanos) e que acabou por ser disposta da seguinte maneira:
8 ou 10 primeiros violinos
6 ou 8 segundos violinos 4 ou 6 violas 4 ou 6 violoncelos 2 ou 4 contrabaixos 2 flautas 2 oboés 2 clarinetes 2 fagotes 2 trompas 2 trompetes 2 tímpanos | Orquestra de Câmara de Dresden, numa formação típica do classicismo |
Frontispício da 1a. edição da Sinfonia no. 31 em ré 'Paris' de Mozart. Notar a típica orquestração clássica de instrumentos aos pares |
Todas as últimas sinfonias de Haydn, as primeiras de Schubert e Beethoven e de uma série de outros pré-românticos, como Mendelssohn, utilizam-se desta formação. Mas existem muitas variantes. Mozart, por exemplo, não usa o clarinete nem os tímpanos em muitas de suas sinfonias. São casos isolados, entretanto. O fim do período clássico já aponta para as tendências românticas, pois na medida em que instrumentos novos iam sendo criados, ou antigos eram aperfeiçoados, os compositores imediatamente absorviam estas mudanças e utilizavam todos os recursos disponíveis em suas obras.
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No romantismo, outros compositores, compartilhando de idéias similares ou mesmo pensando em expressar uma nova dimensão musical - a potência sonora - como recurso estético, partiram em busca de novas combinações instrumentais.
Foi então que, por volta de 1830, o compositor francês Hector Berlioz (1803-1869) escreveu o primeiro estudo sistemático de como se devia compor uma massa orquestral que suprisse a necessidade sonora do romantismo. O Tratado de Instrumentação e Orquestração de Berlioz ainda hoje é uma fonte riquíssima de consulta timbrística, tanto para estudar as possibilidades individuais de cada instrumento (que ele chamou instrumentação) quanto seu conjunto (a orquestração, propriamente). Para Berlioz, a orquestra ideal deveria ter nada menos que:
21 primeiros violinos
20 segundos violinos
18 violas
15 violoncelos
10 contrabaixos
4 harpas
4 flautas
3 oboés
3 clarinetes
4 fagotes
4 trompas
4 trompetes
3 trombones e 1 trombone-baixo
1 tuba
8 tímpanos
1 bumbo
1 par de pratos
20 segundos violinos
18 violas
15 violoncelos
10 contrabaixos
4 harpas
4 flautas
3 oboés
3 clarinetes
4 fagotes
4 trompas
4 trompetes
3 trombones e 1 trombone-baixo
1 tuba
8 tímpanos
1 bumbo
1 par de pratos
Hector Berlioz (1803-1869)
Muitos fatores influenciaram tais recursos estéticos: o limiar entre o séc. XVIII e XIX foi a era das grandes revoluções, onde se inserem grandes movimentos científicos e sociais, como a Revolução industrial inglesa e a Revolução burguesa na França. A filosofia contava com nomes de peso, como Kant e os iluministas, Rousseau, Diderot, Voltaire, a literatura renova-se com Goethe, Schiller, Hoffmann, pouco mais tarde Tolstoi. A marca da expressividade de caráter, como se a música se tornasse um personagem, a saída para grandes salas de concerto, antes só destinadas à ópera, fizeram da música romântica um enorme gênero, de imensas proporções, variantes, estilos, particularidades.
Em termos de orquestração, o romantismo se valeu principalmente de avanços tecnológicos: Antes os trompetes e as trompas eram 'naturais', ou seja, só emitiam uma série de notas de acordo com sua construção, os harmônicos da nota fundamental. Com a invenção das chaves que possibilitavam a mudança do tamanho do tubo, estes instrumentos puderam tocar todas as notas, e tornaram-se porta-vozes de novas combinações melódicas. Beethoven já havia incluído o trombone, mas as tubas, grandes instrumentos graves de metal, antes destinados às bandas militares (ao ar livre era necessário um instrumento grave de grande potência sonora), passaram também a ser incluídos na orquestra. Todos os primeiros românticos, como Schubert, Schumann e Weber, procuraram seguir o modelo orquestral de Beethoven.
Richard Wagner (1813-1883) precisou esperar a música se desvincular da ópera para poder uni-las novamente no ideal estético grego, a obra de arte total. Para isso, desenvolveu o drama musical, espécie de ópera cuja narrativa é sinfônica, e a orquestra um personagem, tanto quanto os cantores. Valendo-se das experiências de Berlioz, quem muito admirava, imaginou novas possibilidades de timbres baseado no ideal dramático que precisava representar. Para tanto, precisou ele mesmo projetar e mandar construir instrumentos específicos, variações de trompas e tubas, para poder representar suas idéias - extravagantes e geniais. Sua obra mais conhecida, o Anel dos Nibelungos, utiliza-se de um grande número de trompas (8), além de tubas tenor, 3 a 4 trompetes, 4 trombones, tubas contra-baixo, e 6 harpas.
| Wagner |
A morte de Wagner representou também, principalmente na Alemanha e Áustria, o fim do romantismo. Apesar deste movimento esteticamente se manter em outros lugares, se expandindo para países latinos e para a América, em seu berço ele já apresentava sinais de saturação. Wagner levou a narrativa sinfônica a graus nunca antes imaginados de intensidade e duração, assim como de potência sonora. Os compositores que o seguiram diretamente foram Anton Bruckner (1824-1896) Gustav Mahler (1860-1911), e Richard Strauss (1864-1949). Eles representam o pós-romantismo, fase a que coube a responsabilidade de trazer toda a bagagem de uma imensa tradição musical para o século XX, e dar condições para o desenvolvimento da música moderna. Tais compositores exploraram todas as possibilidades combinatórias instrumentais possíveis neste universo, desde o domínio das formas acadêmicas à ruptura e combinações inéditas de timbres, sendo considerados os ápices de toda a tradição orquestral da música no ocidente.
Beethoven: 3a. Sinfonia
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Beethoven: 9a. Sinfonia
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Mahler: 2a. Sinfonia
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R. Strauss: Eine Alpensinfonie
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2 flautas
2 oboés 2 clarinetes em Sib 2 fagotes 3 trompas 2 trompetes 2 tímpanos Cordas (Violinos I, II, violas, cellos e baixos) |
1 piccolo
2 flautas 2 oboés 2 clarinetes 2 fagotes 1 contrafagote 4 trompas 2 trompetes 3 trombones 2 tímpanos triângulo pratos bombo Cordas (Violinos I, II, violas, cellos e baixos) Soprano solo Contralto solo Tenor solo Baixo solo Coro Misto (SCTB) |
4 flautas (alternando com 4 piccolos)
4 oboés (alternando com 2 cornes-ingleses) 3 clarinetes em Sib (alternando com 1 clarinete-baixo) 2 clarinetes em Mib 3 fagotes 1 contrafagote 10 trompas 8-10 trompetes 4 trombones 1 tuba contrabaixo 7 tímpanos 2 pares de pratos 2 triângulos caixa clara (se possível mais de uma) Glockenspiel 3 sinos 2 tam-tams 2 bombos 2 harpas órgão Cordas (Violinos I, II, violas, cello, baixos com dó grave, todos em maior número possível) Soprano solo Contralto solo Coro Misto (SCTB) |
4 flautas (alter. com 2 piccolos)
3 oboés (alt. com 1 corne-inglês) 1 Heckelphone 1 Clarinete em Mib 2 Clarinetes em Sib 1 clarinete-baixo 3 fagotes 1 contra fagote 4 trompas 4 tubas tenor (alternando com 4 trompas) 4 trompetes 4 trombones 2 tubas 2 harpas órgão máquina de vento máquina de trovão Glockenspiel pratos Bombo caixa clara triângulo sinos de vacas gongo celesta 8 tímpanos 18 violinos 1, 16 violinos 2, 12 violas, 10 cellos 8 contrabaixos Fora do palco: 12 trompas 2 trompetes 2 trombones |
Caricatura satirizando as extravagâncias sinfônicas de Richard Strauss (no topo, regendo) |
Basta ver a tabela de orquestração para ver em que pé de excentricidade o pós-romantismo alcançou. Richard Strauss (que nada tem em comum com o Johann Strauss das valsas) foi o mais criticado por suas exigências, sendo freqüentemente atacado pela crítica por sua obra `oca´e maquiada pela potência sonora. Mas atualmente, não se pode negar a extrema habilidade de Strauss em extrair de um gigantesco contingente instrumental uma sonoridade pura e nítida.
Já os russos, Borodin, Mussorgsky, Tchaikovskye Rimsky-Korsakov (autor de outro tratado de orquestração, posterior ao de Berlioz, mais sintético e menos extravagante), preferem a percussão mais variada, com instrumentos mais exóticos. Há de se mencionar também o talento nato de Tchaikovsky para distribuir timbres de suas melodias, fazendo de suas obras verdadeiras aulas de orquestração(segundo Shostakovich). |
É importante salientar que o padrão romântico normalmente descrito como sendo o número correto de instrumentos a ser utilizados é raramente satisfeito. Isso se dá por que, principalmente no romantismo e nos períodos posteriores, as obras eram orquestradas em função das necessidades "pessoais" de cada obra. O compositor deveria ter apenas o bom senso de, após o estudo dos fundamentos acústicos e da formação clássica da orquestra, equilibrar corretamente as potências e os timbres para obter o melhor resultado previsto possível. A orquestra romântica tem, portanto, uma grande diversidade de formações, pois não há um número padronizado de instrumentos, variando segundo o gosto e a necessidade do compositor.
Entretanto podemos, de maneira didática, dividir a orquestra romântica em 4 formações:
Orquestra reduzida: São remanescentes da formação clássica padronizada, apesar de incorporarem recursos extras mais próximos do modelo de Beethoven. Possuem de 60 a 80 músicos e em geral são formadas por madeiras a 2 (2 flautas, 2 clarinetes, 2 oboés e 2 fagotes), 2 ou 4 trompas, por vezes 1 ou 2 trombones ou ainda um metal grave (tuba ou o antigo ophicleide, que já não existe mais), além das cordas por vezes mais numerosas e percussão variada (em geral par de tímpanos, triângulo ou pratos). Ex. : Sinfonias de Mendelssohn (3a. 'Escocesa' e 4a. 'Italiana'), últimas sinfonias de Schubert e concertos de Brahms, Schumann, Mendelssohn.
Orquestra Standard: Formação mais comum, visto que correspondem aos ideais românticos de diversidade timbrística, principalmente no acréscimo de instrumentos de percussão e metais: madeiras a 2, por vezes com inclusão de flautim e contra fagote, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, 1 tuba, mais cordas (incluindo por vezes a harpa) e percussão variada, como prato, triângulo, bumbo, caixa clara, e tímpanos. Em geral são orquestras que variam de 80 a 90 músicos. Ex.: 4 Sinfonias de Brahms, 6 Sinfonias de Tchaikovsky, primeiras 4 sinfonias de Bruckner, Sinfonias de Dvórak, aberturas e Sinfonia Fantástica de Berlioz, poemas sinfônicos de Liszt, 'La Mer' de Debussy, 'Boléro' de Ravel
Grandes Orquestrações: São privilégio de grandes orquestradores, que conseguem unir a fluidez melódica com a ciência de exploração de timbres sem que se perca o fio narrativo. Poucos conseguiram com maestria. Exigem mais de 100 elementos para sua execução e costumam se valer de propriedades acústicas específicas destas formações, obtendo assim efeitos sonoros extraordinários, catarse estética. Há enorme perda desta catarse quando uma obra destas é ouvida em locais inadequados acusticamente ou em gravações de qualidade duvidosa.
A grande orquestração é composta de 100 a 120 elementos e tem em geral: madeiras a 4 ou a 5, por vezes incluindo clarinetes-baixos, requinta e saxofones, além dos habituais flautins e contra fagotes. Além disso, dispõe de 6 a 8 trompas (em raras ocasiões mais), de 3 a 6 trompetes, 4 trombones e 1 ou 2 tubas. Ao enorme contingente de cordas acrescenta-se 1 ou 2 harpas, por vezes órgão e uma grande quantidade de percussão, incluindo os habituais pratos, triângulos e bumbo, mas com 4 a 8 tímpanos, celesta, carrilhão, tan-tan, glockenspiel, xilofone, caixa clara, máquina de vento e mais o que a imaginação mandar.
Há obras neste quesito que também incluem timbres vocais, não somente solistas mas também grandes coros . Ex. : Sinfonias de Mahler: 1a.('Titan'), 2a. ('Ressurreição'), 3a., 5a., 6a., 7a, e 9a.; Poemas tonais de Richard Strauss: 'Also Sprach Zarathustra', 'Don Juan', 'Till Eulenspiegel', 'Uma vida de Herói'; Holst: 'Os Planetas'; Stravinsky: 'A Sagração da Primavera', Wagner: 'O Anel dos Nibelungos', 'Tristão e Isolda'; Ravel: 'Daphnis et Chloé'
Imensas Orquestrações: São raras e muito caras. Em geral utilizam-se de mais de 150 músicos (podendo chegar até a 200) mais grandes coros ou solistas vocais. Produzem efeitos sonoros monstruosos em salas de concerto, mas raramente têm méritos musicais superiores às grandes orquestrações. Na maioria das vezes, apenas preenchem quesitos de massa sonora, por vezes exageradamente. Possuem a mesma formação das Grandes orquestrações, mas com a número de executantes aumentado (Ao invés de 6 trompas, 12; ao invés de 4 flautas, 6).
Ex.: 'Réquiem' de Berlioz (exige, por exemplo, 16 tímpanos); 'Eine Alpensinfonie' de Richard Strauss (exige, por exemplo, 20 trompas), 'Gurrelieder' de Schoenberg, Oitava Sinfonia de Mahler ('dos Mil'), Sinfonia 'Gótica' de Havergal Brian.
Pode-se ainda classificar uma orquestra para fins festivos, orquestras especiais feitas sob encomenda para execuções destinada a grandes multidões, em geral ao ar livre, e comemoram algum fato extraordinário. Possuem versões reduzidas para orquestra Standard para serem executadas nas salas de concerto.
Ex.: Sinfonia Fúnebre e Triunfal de Berlioz; Abertura 1812 de Tchaikovsky
Assim nasceu uma nova forma de classificar determinados compositores, segundo a potência sonora. Muitas vezes esse quesito é confundido com habilidade em orquestrar. São coisas distintas; uma coisa é escrever boa música para poucos ou muitos instrumentos, outra coisa é escrever música ruim para poucos ou muitos instrumentos. Uma boa maneira de ilustrar isso é citar Brahms, que, caso se aventurasse a compor para orquestras tais como as de Wagner ou Mahler, certamente teria grande parte de seu material semântico riquíssimo, a clareza e objetividade das idéias, prejudicado pelo excesso de timbres. Mas, felizmente, como Brahms possuía um bom senso musical inegável, soube tirar da formação orquestral clássica resultados de expressividade incomparáveis. Do outro lado, citam-se os chamados "grandes orquestradores", que tinham um talento para escrever música com números elevados de instrumentos sem perderem-se no emaranhado harmônico, melódico e timbrístico que tal contingente normalmente causaria aos desprovidos deste talento. Estes mestres da orquestração foram Berlioz, Wagner, Liszt, Tchaikovsky, Mahler, Richard Strauss (talvez o melhor deles), Ravel, Elgar, Rimsky-Korsakov e Stravinsky. Hoje em dia este critério pode ser revogado, porque, afinal de contas, Debussy, ou até mesmo Brahms, que nunca usaram orquestras muito grandes, foram extremamente hábeis no uso contido de instrumentos. Sob este aspecto, não ficam nada a dever aos grandes orquestradores. O próprio Beethoven pode ser considerado um grande orquestrador para os padrões clássicos. Mas, no quesito potência sonora, tal classificação ainda pode ser de alguma valia.
A suntuosa Orquestra Filarmônica de Berlim, atualmente regida por Simon Rattle, é considerada a melhor orquestra do mundo, por sua excelência técnica e sonoridade poderosa, percorrendo com segurança e desenvoltura todas as nuances dinâmicas de uma partitura
Orquestração, portanto, é uma arte que pode ser aplicada a qualquer formação instrumental diversa e que conta com um único critério determinante em sua composição: o Equilíbrio . Assim como a forma-sonata representa o equilíbrio estrutural, arquitetônico da obra, a orquestração representa, para a obra sinfônica, - me permitam a comparação culinária - o tempero e a maneira de preparar o prato, que, no caso, corresponde ao discurso musical. Cada instrumento tem uma personalidade intrínseca e seu conjunto sonoro é uma reunião determinada de ingredientes misturados para alcançar um objetivo palatável e digerível. Considerando os ingredientes como o material semântico, a melodia, harmonia, ritmo e andamento, a orquestração é o modo de preparar e o acréscimo das especiarias que darão gosto ao discurso musical. Um bom chef de cozinha sabe variar os temperos e a maneira de misturar a massa para obter diferentes sabores. Este é o orquestrador.
Voltando ao planeta Terra, concluo adicionando mais um pequeno detalhe sobre o equilíbrio instrumental: Sua disposição física no palco. O posicionamento destes instrumentos num palco de salas de concerto também é um fator relevante para o equilíbrio da massa sonora produzida, e deste modo, a formação clássica também se ocupou de padronizar sua disposição, considerando, ainda que intuitivamente por parte de muitos compositores, leis físicas elementares: instrumentos de maior ressonância acústica vão ficando para trás, e de menor ressonância, para frente, indo progressivamente dos mais suaves aos mais fortes. Por essa razão é que as cordas (violinos I e II, violas, cellos e contrabaixos) encontram-se no primeiro plano do palco, seguidos pelas madeiras (flautas, oboés, clarinetes e fagotes), metais (trompas, trompetes, trombones e tuba - esta seção é anedoticamente chamada de "cozinha" da orquestra), e lá no fundo, a artilharia da percussão, que não precisa fazer muito esforço para produzir um barulho considerável. Este esquema retrata bem a disposição mais comum numa orquestra moderna, apesar de, a critério do maestro, ela possa mudar:
12 de junho de 2012
Brahms ama Agathe
Alguns casais enamorados gostam de registrar seu amor em troncos de árvores. Brahms porém preferiu gravar o nome de sua amada em algo que ele tornou mais eterno do que árvores: uma obra sua (e aqui não estou falando na dedicatória).
O sexteto de cordas nº2 Op.36 começa de uma forma bem misteriosa, temperando a tonalidade de Sol Maior com acordes de mi bemol. Eis o primeiro tema:
Mas logo logo o sol começa a brilhar:
E quando surge o segundo tema, Brahms não foge das regras clássicas da forma-sonata e o apresenta na dominante, Ré Maior:
É no clímax que aparece o nome da sua amada, Agathe von Siebold, repetido várias vezes:
Na notação alemã, cada nota musical é representado por uma letra. Assim: A=lá, G=sol, H=si natural, E=mi, e Agathe vira la-sol-la-si-mi. A letra “T” não está associada a nenhuma nota, porém curiosamente o acompanhamento apresenta um ré, “D”, que possui um som parecido com o da letra “T”.
O desenvolvimento é todo ele baseado no primeiro tema…
Continue lendo... http://euterpe.blog.br/analise-de-obra/brahms-ama-agathe
10 MOTIVOS PARA VOCÊ ESTUDAR MÚSICA
1. A música provoca um forte impacto no cérebro e deve ser encorajada nas crianças desde cedo.
2. Tocar instrumentos fortalece e melhora a coordenação motora.
3. O estudo musical amplia o raciocínio nas crianças em idade escolar.
4. Crianças que estudam música têm melhor comportamento em sala de aula e apresentam uma redução de problemas disciplinares.
5. Pessoas de mais idade envolvidas em atividades musicais têm melhorias significativas na saúde.
6. O fazer musical altera algumas regiões do cérebro ajudando a combater o mal de Alzheimer.
7. O desenvolvimento musical faz reduzir os sentimentos de ansiedade, solidão e depressão.
8. A música diminui o estresse e reforça o sistema imunológico.
9. Estudos comprovam que aulas de piano ou teclado para idosos provocam o aumento dos hormônios do crescimento, colaborando no aumento do nível de energia, das funções sexuais e da massa muscular, evitando osteoporose e rugas.
10. Em todas as idades a música reforça o sentimento de convivência em grupo, proporcionando melhorias no relacionamento interpessoal.
2. Tocar instrumentos fortalece e melhora a coordenação motora.
3. O estudo musical amplia o raciocínio nas crianças em idade escolar.
4. Crianças que estudam música têm melhor comportamento em sala de aula e apresentam uma redução de problemas disciplinares.
5. Pessoas de mais idade envolvidas em atividades musicais têm melhorias significativas na saúde.
6. O fazer musical altera algumas regiões do cérebro ajudando a combater o mal de Alzheimer.
7. O desenvolvimento musical faz reduzir os sentimentos de ansiedade, solidão e depressão.
8. A música diminui o estresse e reforça o sistema imunológico.
9. Estudos comprovam que aulas de piano ou teclado para idosos provocam o aumento dos hormônios do crescimento, colaborando no aumento do nível de energia, das funções sexuais e da massa muscular, evitando osteoporose e rugas.
10. Em todas as idades a música reforça o sentimento de convivência em grupo, proporcionando melhorias no relacionamento interpessoal.
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O Testamento de Heiligenstadt
Ludwig van Beethoven
“Vocês, Homens que me têm como hostil, obstinado e insociável, como são injustos! Não conhecem as causas secretas que me fazem agir deste modo. Desde a infância, o coração e a mente me chamavam para os ternos sentimentos do carinho e do afeto, e sempre me senti chamado a realizar grandes obras.
Mas vejam que durante os últimos seis anos me vi atacado por um mal incurável, agravado pela incompetência de médicos, enganando-me de ano para ano em ilusórias esperanças de melhorar, até que finalmente me vi obrigado a
admitir a extensão do mal, cuja cura pode talvez durar anos… se é que ainda se pode esperar uma cura. Nascido com um temperamento ardente e vivo, sensível aos prazeres da sociedade, cedo tive de renunciar a eles, para passar a viver em reclusão.
Houve momentos em que procurei não me importar com tudo isso, mas fui cruelmente repelido pela dolorosa experiência de ter um ouvido defeituoso! Não me era possível dizer às pessoas: “Falem mais alto, gritem, porque estou surdo!” Como poderia divulgar a todos a falta de um sentido que eu deveria possuir num grau ainda mais elevado do que qualquer outra pessoa, um sentido que outrora fora em mim mais sensível do que em qualquer dos meus colegas? Certamente não poderia fazer isso.
Perdoem-me, portanto, se me veem retraído, quando na verdade teria gosto de estar entre vocês. O meu infortúnio mortifica-me duplamente, porque, além de tudo, torna-me alvo da incompreensão. Estou afastado dos divertimentos da vida em sociedade, dos prazeres da conversação, das manifestações de amizade. Quase só no mundo, não me atrevo a aventurar-me na vida social para além do estritamente necessário. Vejo-me obrigado a viver no exílio: se tenho companhia, fico aterrorizado com a ideia de que o meu mal possa ser descoberto. Assim tenho vivido durante este meio ano que passei no campo.
Aconselhado por um inteligente médico a poupar o mais possível meu ouvido, muitas vezes me senti quase animado, devido à minha boa disposição natural, apesar de afastado das pessoas que estimo. Mas que humilhação, quando ao meu lado as pessoas ouviam o eco distante de uma flauta, sem que eu pudesse distingui-lo… ou quando chamavam minha atenção para o canto de um pastor e eu era incapaz de ouvi-lo!
Estas circunstâncias levaram-me à beira do desespero e pensei, mais de uma vez, em por fim aos meus dias. Somente a Música me deteve! Parece-me impossível abandonar este mundo antes de haver produzido tudo o que dentro de mim sinto ainda ter por realizar! Por isso, continuei esta vida miserável – verdadeiramente miserável – e suportei este corpo irritável que muda da melhor para a pior disposição com uma facilidade incrível.
Paciência, disseram-me, ela deve ser o meu guia. Procurei tê-la. A firmeza de espírito será a resolução para perseverar até que o destino inexorável se digne a cortar o fio da minha vida. Talvez a situação melhore, talvez não. Estou conformado; afinal, é difícil um homem tornar-se filósofo na minha idade e para um artista, ainda mais do que para outro.
Oh, Deus! Tu contemplas do alto a minha miséria e sabes que ela está acompanhada de um amor pelas criaturas humanas e disposição para as boas obras. Oh, Homens! Se algum dia lerem isto, pensem quão injustos foram comigo. Deixem que o que sofre tenha o seu consolo, encontrando alguém que, como ele, apesar das deficiências da natureza, fez tudo o que as suas faculdades lhe permitiram realizar para pertencer ao mundo dos artistas de valor e dos homens de bem.
Meus irmãos Kaspar e Johann: logo que eu tiver morrido, e se entretanto o professor Schmidt ainda for vivo, peçam-lhe em meu nome que escreva uma descrição pormenorizada da minha doença e que a essa descrição junte-se a este papel, para que depois da minha morte o mundo possa reconciliar-se comigo.
Ao mesmo tempo, nomeio vocês dois herdeiros dos meus bens (que bem poucos são). Dividam-nos fraternalmente, de comum acordo, ajudando-se um ao outro. O que tenham feito para me ferir já foi perdoado, como bem sabem. A você, irmão Kaspar, agradeço particularmente o afeto que por mim demonstrou nos últimos tempos. O meu desejo é que possa viver mais feliz do que eu, afastado das preocupações que me têm atormentado. Aconselhe a virtude aos seus filhos; só ela – não as riquezas – pode dar-lhes felicidade. Falo por experiência própria – foi a virtude que me amparou na dor; foram elas, a Virtude e a Música, que me impediram de por fim à vida. Adeus, e recebam ambos o meu amor.
Agradeço aos meus amigos, especialmente ao príncipe Lichnoswsky e ao professor Schmidt. Gostaria que os instrumentos do príncipe Lichnoswsky ficassem em poder de um de vocês. Mas não criem inimizade por causa disso.
Se por qualquer razão, porém, forem mais úteis de outra maneira, podem dispor deles como quiserem. Como fico contente ao pensar que vos poderão ser úteis, ainda que eu já esteja na tumba! Assim seja! Anseio ir ao encontro da
morte com alegria. Se ela vier antes de ter tido tempo de desenvolver tudo o que a minha capacidade artística me concede, terá chegado demasiado cedo; apesar do meu cruel destino, desejaria que retardasse a sua vinda.
Mas mesmo se logo vier, ainda assim me sentirei feliz, porque libertar-me-á de um sofrimento infinito. Vem, pois, quando quiser, oh, Morte! Firme estarei para recebê-la. Adeus, e não se esqueçam completamente de mim, quando já
morto.Creio merecê-lo, pois durante a vida pensei muito em vocês e desejei fazê-los felizes. Tomara que o sejam sempre.
Ludwig van Beethoven.
Heiligenstadt, 6 de outubro de 1802″.
(na parte exterior do documento, em 10 de outubro de 1802):
“A meus irmãos Kaspar e Johann, pedindo-lhes que leiam e executem depois da minha morte. Despeço-me de vocês e faço-o com tristeza. Sim, essa remota esperança que me animava para uma possível melhora afastou-se completamente
de mim. Tal como as folhas de outono que caem feridas na terra, também a esperança me abandonou para sempre. Quase como cheguei devo partir. Até a arrogante coragem que frequentemente me animava nos cálidos dias de verão
acabou me deixando. Oh, Providência, assegura-me pelo menos um único dia de sincera alegria! Quando, ó Deus, quando sentirei de novo essa alegria no templo da natureza e dos homens? Nunca? Não, isso seria por demais cruel!”
manuscrito do Testamento de Heiligenstadt